Um futuro promissor para o turismo de lazer


Além do medo de adoecer, morrer e perder pessoas queridas, a pandemia do coronavírus trouxe também diversos inconvenientes para o nosso dia a dia, como o uso de máscaras em locais públicos (há quem não abra mão em casa também), restrições à mobilidade, impossibilidade de se aglomerar, perda de renda e extrema dificuldade para viajar. Para muitos, a privação tem sido intensa e em tantas dimensões da vida que a sensação é como se a pandemia já durasse uma década, quando na realidade ela ainda nem completou seu segundo aniversário.

Felizmente, a ciência tem surpreendido positivamente, e a descoberta e produção de vacinas (algumas com tecnologia inovadora e facilmente adaptáveis para as novas variantes do vírus) em tempo recorde tem permitido acreditar que dias melhores estão próximos. Alguns até tem se permitido sonhar com uma reedição dos loucos anos 20 (período do século XX que se seguiu à gripe espanhola e ao fim da primeira guerra mundial e terminou com a grande depressão de 1929).

Não é arriscado afirmar que o turismo de lazer está nos top itens de maior demanda reprimida, em todos os países e especialmente nas classes de renda mais elevada. A pesquisa abaixo ilustra uma foto recente (jul/21) para o Brasil.

Somando o aumento da poupança durante a pandemia a esse desejo de viajar, especialmente para a parcela da população que usualmente viajava pelo menos uma vez por ano, não se pode descartar uma retomada (muito) mais forte deste segmento do que a esperada pelo consenso dos analistas. Já temos evidências disso em alguns países desenvolvidos, que ao longo da pandemia parecem dois meses adiantados na evolução da doença em relação ao Brasil.

O Airbnb por exemplo reportou resultados fortes no 2º trimestre de 2021 (2T21), com volume de reservas já no patamar do 2T19 (em valor financeiro, veio 40% acima do 2T19). Nas figuras abaixo nota-se também que os voos domésticos nos EUA já estão próximos a 80-90% do que eram em 2019, mesmo com o número de casos de COVID acelerando a partir de jul/21 devido à nova variante Delta e uma relativa estabilidade no patamar de vacinação completa nos EUA, na faixa de 50%. Já no Brasil, a Azul e a CVC reportaram números parciais animadores de malha aérea e vendas domésticas para o 3T21.

Entendemos que se aplica à retomada no setor de turismo uma adaptação de uma reflexão atribuída ao Bill Gates, de que tendemos a superestimar o impacto da pandemia no comportamento de curto prazo das pessoas mas subestimar o impacto de longo prazo, que estaria mais associado aos temas que serão discutidos mais adiante. Assim, estamos otimistas com a retomada do turismo de lazer no mundo e no Brasil.

Com a crença de que a pandemia será superada nos próximos meses e de que ela atuou como uma grande aceleradora de certas tendências que já eram visíveis no pré-pandemia, exploraremos o impacto que esperamos para algumas dessas mudanças na indústria de turismo e as oportunidades que poderão resultar delas.

Trabalho remoto e “efeito Zoom

Com a rápida disseminação do vírus no começo de 2020 e o pânico das autoridades, em diversos locais houve a proibição de trabalhar em escritórios e/ou a impossibilidade de se deslocar até eles, o que acabou resultando em um grande experimento forçado de adoção do trabalho remoto, principalmente para cargos de perfil mais técnico/burocrático, e recorrendo a intenso uso de vídeochamadas.

A despeito de algumas “travadas” nos vídeos e problemas com a segurança da informação nas redes das empresas, a infraestrutura tem suportado bem (e deve melhorar com a chegada do 5G) e a adaptação dos gestores e seus funcionários foi bastante rápida e no geral bem sucedida, o que levou algumas empresas a encarar políticas de trabalho remoto (work-from-anywhere, trabalho 100% remoto e de qualquer lugar, por exemplo o caso da XP Inc) como parte do seu pacote de benefícios.

Outra mudança que acreditamos ter vindo para ficar resulta do aumento da familiaridade com as ferramentas de vídeo chamada, que deverá levar a uma redução nos deslocamentos para reuniões, sejam elas próximas ou em outras cidades/países. Entendemos que os funcionários e as empresas serão muito mais seletivos para reuniões externas presenciais, o que trará redução nos gastos com viagens corporativas e aumento da produtividade. Por outro lado, a redução de reuniões presenciais poderá estimular a realização de mais eventos setoriais e de integração corporativos, gerando uma redistribuição de recursos dentro da cadeia de turismo (perdem as aéreas, que venderão menos passagens de última hora -mais caras-, ganham os organizadores de eventos e prestadores de serviços relacionados).

Acreditamos que a combinação desse ganho de produtividade trazido pelas vídeos chamadas, da maior disponibilidade de ofertas de trabalho que permitem trabalhar remotamente de qualquer lugar e do aumento na quantidade de pessoas que postergam a decisão de ter filhos e/ou simplesmente não desejam tê-los, resultará em um cenário promissor para estadias mais longas em destinos turísticos, particularmente em épocas fora da alta temporada (com preços mais atraentes, o que poderá fomentar ainda mais essa nova demanda potencial).

A importância do atendimento humanizado

Ao longo da pandemia, tivemos muitos relatos da dificuldade de remarcação, cancelamento e/ou reembolso de viagens, em especial quando a interação inicial era com um sistema totalmente automatizado – o estresse foi grande. Os sistemas de atendimento ao cliente de praticamente todos os envolvidos na cadeia de turismo colapsaram, e as queixas foram maiores nos casos das agências de viagem puramente online. Durante o “apagão” dos call centers, ficou claro que quem tinha um agente de viagem para trabalhar sua remarcação ou reembolso sofreu menos (ou no pior dos casos, pode “desabafar” mais). Houve também relatos de situações até mais críticas, de brasileiros com a família que se encontravam fora do país e que conseguiram retornar em voos fretados, devido ao trabalho de agentes de viagens em conjunto com grandes operadoras (caso da CVC).

Episódios críticos como esses costumam funcionar como um despertar. Some-se a isso a ajuda da tecnologia (vídeochamadas, whatsapp corporativo, sistemas de CRM eficientes, entre outros), que deve trazer maior produtividade aos agentes de viagens e possibilitar maior proximidade aos seus clientes –  acreditamos que o serviço prestado por estes profissionais será mais valorizado no pós-pandemia.

Desejo por viver experiências

Para muitos, a pandemia serviu como um momento de reflexão de como a vida é efêmera e portanto sobre como usam seu tempo. Assim, acreditamos que a tendência de buscar mais experiências, por exemplo viajar com mais frequência e “recheando” a viagem de atividades e atrações, deva se acentuar no pós-pandemia. E os recursos financeiros para viver mais experiências poderão vir da aceleração de outra grande tendência secular, que é a cultura do compartilhamento em detrimento da posse; basta notar por exemplo como as pessoas aumentaram o consumo de bicicletas compartilhadas e já voltaram a utilizar o Uber no pós-pandemia.

Vencedores no “novo normal”

Nesse possível “novo normal” para o setor de turismo, entendemos que quem sobreviveu ao colapso experimentado pelo setor ao longo desta pandemia e soube aproveitar a paralisia nas vendas para evoluir a sua empresa, seus processos e cultura organizacional, capacitando-a para se beneficiar das mudanças discutidas acima, devem ser as grandes vencedoras setoriais. E dentre elas, identificamos a CVC.

O inferno astral da CVC começou no final de 2018, conforme os problemas na Avianca Brasil começavam a se tornar evidentes e descobriu-se que a CVC era talvez o seu maior cliente que pagava antecipado. Com a parada operacional da Avianca no começo de 2019 veio o caos das remarcações, pedidos de reembolso, passagens perdidas, etc. Some-se a isto as dificuldades de expandir a oferta aérea devido aos problemas com o 737 MAX (preços das passagens ficaram elevadíssimos), a tragédia do vazamento de óleo no Nordeste brasileiro, que impactou fortemente a alta temporada do 2º semestre de 2019 até o 1º trimestre de 2020 da CVC na região, a chegada e rápida piora da pandemia no Brasil no início de 2020, resultando no colapso das vendas por diversos meses, e tudo isto simultaneamente à saída ruidosa do presidente do conselho de administração (CA) e de alguns membros da gestão da CVC à época seguida da descoberta de indícios de fraude contábil nas demonstrações financeiras da CVC.

Nesse contexto extremamente difícil assumiu o novo time de gestão da CVC, liderado pelo Leonel Andrade (ex-CEO da Smiles e com ótima reputação no mercado) no cargo de CEO, que foi trazido pelos novos acionistas de referência (esta figura havia deixado de existir na CVC após o desinvestimento final do fundo Carlyle, em 2016). Não fosse o apoio desses novos acionistas nas renegociações de dívidas e em rodadas sequenciais de aumento de capital (desde o 3T20 foram aportados cerca de R$ 1,1bi na CVC), provavelmente a empresa não teria sobrevivido.

Desde que assumiu, o primeiro trabalho do novo time de executivos foi resgatar a credibilidade na contabilidade, controles internos, processos e governança da empresa, para acalmar seus investidores e também a confiança dos clientes na solidez da empresa, preservando sua marca. Entendemos que esta etapa está bem encaminhada. Além disso, foi definido o planejamento estratégico da empresa em parceria com a consultoria McKinsey. Acreditamos que os principais pilares estratégicos da CVC estão alinhados para a captura das oportunidades mencionadas mais acima, os quais destacamos:

  1. Um data lake acumulando informações dos clientes CVC permitirá ser mais assertivo na precificação dinâmica e nas ofertas, contribuindo para reduzir o custo de aquisição de clientes, que já é beneficiado pela força da marca, e aumentar a conversão. A CVC já tem 22 milhões de clientes contactáveis/influenciáveis e espera atingir 40 milhões no final de 2022.
  2. Lojas físicas remodeladas e integradas com o seu canal digital – o cliente compra como e onde quiser (client first). A ideia é que os franqueados seguirão como parte fundamental para a humanização do atendimento e terão ferramentas que permitirão aumentar sua produtividade/conversão das vendas, manter contato ativo e frequente com os clientes (no pré e pós vendas) e ter os incentivos corretos para buscar a melhor margem na venda (alinhamento entre comissionamento e margem produzida). As lojas físicas são o ambiente ideal para a venda aspiracional.
  3. No online (canal de distribuição ideal para a venda mais transacional e oportunística), foi concluída a migração dos aplicativos para um novo ambiente de desenvolvimento, que permitirá uma maior agilidade na entrega de novos produtos e features multiplataforma.
  4. Manter ferramentas robustas para atender ao cliente B2B. Muitas agências de viagens independentes que, no pré-pandemia, vendiam principalmente para o público corporativo e eram clientes da CVC, se adaptaram e hoje também atendem ao cliente lazer, o que implica em um possível ganho de market share para a empresa em turismo de lazer, que tem margens melhores.
  5. Investir na VHC hospitalidade, controlada do grupo que faz gestão e aluguel de propriedades residenciais de terceiros, agregando serviços de alto padrão e elevada conveniência aos clientes (exemplos são faxineira, motorista, cozinheira, compras, animador de festa, etc) e pode se beneficiar da escala de distribuição da CVC nos locais planejados para sua expansão (destinos no Nordeste, Orlando, Miami, Portugal, litoral de SP e do RJ, entre outros). Este segmento tem sido um dos grandes vencedores da pandemia e o objetivo é chegar a 8 mil propriedades em 5 anos (em ago/21 tinha cerca de 400).
  6. Maior integração e automação nas áreas de suporte, garantirá maior agilidade, escalabilidade e robustez nos processos, para melhor suportar os canais de vendas online e das lojas físicas. Este aumento na eficiência deverá se traduzir em maior competitividade de preços e melhores ofertas aos clientes.

O time de gestão da CVC também tem feito um trabalho de comunicação periódica junto aos investidores, à sua base de franqueados e aos seus clientes, buscando reforçar que a empresa honrará todos os compromissos assumidos e está pronta para financiar as futuras viagens dos seus clientes.

Por fim, lembramos que uma boa quantidade de pequenas agências não resistiu à crise durante a pandemia e fechou suas portas. Assim, parece correto afirmar que as operadoras e agências que sobreviveram ao período de vacas magras tem agora uma oportunidade de surfar em um mercado de turismo de lazer bastante promissor.


Referências:
– Radar Febraban 2021
– McKinsey, The Travel Industry Turned Upside Down
– McKinsey, The comeback of corporate travel: How should companies be planning?
– McKinsey, A travel boom is looming. But is the industry ready?


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