O ano de 2023 poderia ter sido mais simples, principalmente se tivéssemos escolhido os dois papéis que pareciam mais arriscados com a volta do PT ao governo: Petrobras e Banco do Brasil. Uma carteira simples com os dois papéis teria rendido incríveis 85,7% no ano, batendo de longe os fundos de ações e fundos long bias que mais performaram no ano. Entretanto, há que se ter controle de risco, alguma diversificação entre empresas e setores, e o resultado nem sempre é o esperado ou o melhor. Depois da queda do mercado no final de 2022, desenhava-se um ano melhor, mas que foi difícil. A incerteza fiscal somou-se a ruídos políticos e ao risco da inflação nos EUA, com a vigorosa subida de juros pelo FED.
Ficamos na ponta otimista do mercado, com posições em setores domésticos, que performaram bem até julho de 2023, mas desandaram depois disso. Vendas mais fracas, custos financeiros nas alturas e expectativas elevadas destruíram várias ações, muitas delas caindo muito abaixo de seu valor justo. Tivemos perdas no varejo (-5,6 pontos percentuais), em especial no alimentar, afetado pela deflação de alimentos no segundo trimestre de 2023 e por enormes despesas financeiras em uma das empresas que tínhamos na carteira. Também em commodities (-5,5 pp) enfrentamos alguns problemas, apesar dos ganhos em algumas posições. Resultados ruins, compra de competidores a preços fora da realidade, entre outros fatores, atrapalharam algumas empresas. Balanceamos essas perdas com ganhos importantes nas incorporadoras de imóveis de baixa e alta renda (+8,4pp), impactadas pela queda nos juros e pela assertividade do programa MCMV (Minha Casa Minha Vida), e nos bancos (+6,7pp), com a expectativa da redução na inadimplência como efeito dos cortes de juros.
Fazendo uma análise dos ganhos e perdas da carteira, tivemos os 5 maiores ganhos resultando em +10,5 pp e as 5 maiores perdas em -10,2 pp, ou seja, os grandes ganhos foram levados por perdas relevantes, que deveríamos ter evitado. Lição aprendida neste ponto.
Nossa decisão de ficar alocados em temas domésticos sensíveis à queda dos juros ao invés de termos mais commodities e bancos não se mostrou acertada ao longo da segunda metade de 2023. Apesar do que falávamos na última carta, “As perspectivas para a China, grande demandadora de commodities e que acaba fazendo o preço de muitas delas, não é das mais positivas”, as ações das empresas de commodities acabaram performando bem, exceto VALE e alguns frigoríficos. Os bancos também subiram bem, por serem pesados no Ibovespa, terem liquidez e estarem com valuations interessantes. Nosso portfólio foi bastante afetado após agosto, pelas discussões sobre o crédito presumido de ICMS e pelos demais incentivos e subvenções, que se tornaram mais restritas. Foi um grande choque para as ações de varejo, desproporcional aos fundamentos das companhias, já que para neutralizar os aumentos nestes impostos seriam necessários pequenos reajustes de preços. Enfim, mantivemos boa parte das posições em carteira. As locadoras de veículos, empresas importantes em nosso portfólio, tiveram recuperação no final do ano, mas foram impactadas por dúvidas referentes à depreciação dos veículos usados e por empoçamento de veículos em concessionárias (em uma das ações); são empresas sensíveis às taxas de juros longos (fluxos de caixa longos x taxas de desconto) e curtos, pelas dívidas atreladas ao CDI. Por fim, as incorporadoras tiveram um ano bastante positivo, com incentivos às construções direcionadas à baixa renda, mas também com maior disciplina nos lançamentos, fazendo com que a velocidade de vendas de imóveis para média e alta renda fosse relativamente elevada. Não tem havido problemas com repasses dos imóveis para serem financiados nos bancos, reduzindo possíveis problemas com o carrego de estoques pelas incorporadoras.
Dito isso, acreditamos que há um upside relevante nas ações do nosso portfólio, bastante descontadas em relação ao seu valor justo. Precisamos, entretanto, analisar os fatores externos e que são determinantes para o desempenho do mercado brasileiro.
A situação da China é pouco animadora, mesmo com os estímulos do governo para o crescimento do PIB. Deveremos ver o crescimento mais voltado para o consumo em detrimento dos investimentos em imóveis, o que de certa forma deveria estabilizar o consumo de minério de ferro – ainda assim, a produção de aço permanece elevada por conta de outras aplicações, como na produção de bens de consumo ou máquinas, veículos e autopeças. As exportações brasileiras da agroindústria permanecerão elevadas, favorecendo o complexo soja e carnes, principalmente.
Já nos EUA a economia continua forte, com o FED atuando para tentar garantir o chamado soft landing (pouso suave), que faria com que a economia continuasse crescendo com o emprego em bom patamar, mas com inflação controlada. Parece ser o cenário mais provável, mas há riscos, motivo pelo qual o FED continua dizendo que pode subir mais os juros caso seja necessário. Acreditamos no soft landing, que fará com que os mercados de risco tenham muito mais espaço para altas pelos próximos trimestres. As taxas de inflação mais à frente já estão na meta, o mercado de trabalho já está mais folgado e os juros elevados começaram a inibir a demanda dos consumidores; além disso, o número de contratos de financiamento imobiliário vem se reduzindo, bem como os aluguéis, que vagarosamente são contabilizados nos índices de inflação, à razão de 1/12 ao mês.
Mas e no Brasil? Por aqui teremos várias discussões nos próximos meses, como a regulamentação da reforma tributária, discussão acerca do déficit fiscal zero para 2024 e continuidade dos cortes de juros pelo Banco Central se os dados de inflação vierem comportados. No mercado de ações os múltiplos estão abaixo da média histórica, mesmo expurgando Petrobrás e Vale do cálculo, e a alocação das carteiras em ações continua muito baixa, bem como dos fundos multimercado. A continuidade da queda dos juros para patamares próximos a 9% ao ano provavelmente trará um novo fluxo para o mercado, que se somará ao fluxo dos estrangeiros, em especial aqueles dedicados aos mercados emergentes e que tem hoje poucas alternativas de investimento.
Em 2023 tivemos especial atenção com nossos processos de investimento, a fim de aperfeiçoá-los em busca de resultados consistentes que entregamos até 2019. Várias ferramentas de gestão foram desenvolvidas, inclusive com a colaboração do time de risco, a fim de entregarmos retornos melhores. Acreditamos que temos hoje um modelo mais robusto, o que certamente ajuda na busca por retornar aos nossos investidores a confiança em nós depositada.
Esperamos ter anos muito melhores à frente.
Obrigado pela confiança e um bom ano novo.
Time Safari Capital