A história do último trimestre de 2022 – e pelo menos dos próximos 4 anos – começou a ser contada depois das eleições, e mal contada. O primeiro turno foi extremamente calmo na ótica do mercado, tivemos um tsunami após o segundo turno das eleições, com a derrapada inicial no discurso da vitória, conseguida graças à frente ampla que se formou para derrotar Bolsonaro. Lula passou a fazer discursos bastante identificados com a esquerda retrógrada, dando a entender que partiria para um Lula 3 muito parecido com os governos Dilma, que terminaram no impeachment. Praticamente estável desde o final do primeiro turno, o Ibovespa caiu 7% desde o pico pós-vitória de Lula. Discursos contra a âncora fiscal e a nomeação de somente petistas para os ministérios mais importantes denotam um início raivoso e sem compromisso com os discursos pré-eleição, onde a moderação prevaleceu.
Os discursos de Lula atrapalharam bastante a montagem do ministério da Fazenda, já que houve enorme dificuldade em atrair gente de maior gabarito – com poucas exceções – para as secretarias; Haddad montou seu ministério após negativas de vários convidados, segundo a imprensa. O mercado tem duvidado, com razão, dos discursos de Haddad, já que outras áreas do governo tem feito afirmações completamente fora do tom e em flagrante compromisso com o passado.
Do nosso lado, o pós-eleição foi especialmente penoso, pois as ações domésticas (ex-varejo alimentar) precificaram a disparada da curva de juros futuros, ainda hoje 1,2 ponto percentual acima dos 11,7% da data da eleição. Setores como locadoras de veículos, incorporação de imóveis, varejo e utilities sentiram demais a elevação dos juros, chegando a cair em novembro 4x a queda do Ibovespa, conforme tabela abaixo. Tal movimento não reflete a robustez das companhias, mas a apreensão do mercado, que acaba por perpetuar toda a abertura da curva de juros ao valor presente das ações. Fica claro, caso o governo conduza minimamente bem a economia, que há uma enorme assimetria aí, ainda que estejamos diante de um governo mais intervencionista. A instabilidade será provavelmente a tônica deste governo.
Enxergamos no segmento de incorporadoras de imóveis de baixa renda uma grande oportunidade, com a continuidade dos programas de auxílio na compra dos imóveis e com a destinação de recursos pela Caixa para os projetos. As utilities do setor elétrico tem alguns riscos relacionados à renovação de concessões e ao preço futuro da energia, mas precificam um risco exagerado no desconto do fluxo de caixa. As locadoras são afetadas pelo desconto do fluxo de caixa e pelo custo mais elevado de dívida, já que o horizonte de queda nos juros ficou menos definido. Por outro lado, a parcela da carteira ligada às commodities balanceia as posições domésticas, pois são mais ligadas à reabertura da economia chinesa, que deve se intensificar a partir do 2T23, quando o pico da Covid já tiver passado e o país voltar com força ao consumo e aos serviços. O ETF de China que carregamos na carteira reflete esta tese. Outras posições no exterior se somam a esta, completando por volta de 15% do PL do fundo.
Um processo de redução de juros futuros que poderia ser muito mais suave tornou-se agora um enorme desafio para o novo governo. É importante destacar que, sem visibilidade de como se dará o equilíbrio fiscal, não haverá investimentos, o que prejudicará o emprego, a inflação e também a queda nos juros. A PEC dos gastos, aprovada a toque de caixa no Congresso é um buraco além do que já estava encomendado, exigindo um esforço fiscal muito maior do que seria necessário anteriormente. Acreditamos que nas próximas semanas o governo trará uma agenda econômica mais construtiva, abrindo espaço para a queda nos juros e a valorização destes setores penalizados. Uma revisão criteriosa dos gastos do governo será necessária, já que há pouco espaço para aumentar a carga tributária no país. Também o governo eleito dá mostras de querer bancar a reforma tributária que já tramita no Congresso, o que seria um ganho de produtividade relevante para a economia. A simplificação dos impostos será um impulsionador importante dos investimentos do país, por facilitar o recolhimento de tributos e reduzir o enorme contencioso tributário que há entre as empresas e o governo. Entretanto, o timing do governo é bastante diferente daquele do mercado, que pode estressar muito mais antes de melhorar. Pontos importantes a monitorar:
Seria muito importante que o governo tivesse bom senso e começasse a tratar as coisas com a seriedade que merecem, sob risco de terminar sem nem mesmo ter começado.