Carta Trimestral – Agosto 2023


As mudanças que fizemos no portfolio foram relevantes desde o final do 1T23. Trocamos boa parte das posições em ações ligadas às commodities por outras ligadas ao mercado doméstico, assunto que desenvolveremos mais, com as motivações que nos fizeram tomar tais decisões.

Desde o final do primeiro trimestre já víamos sinais de arrefecimento da inflação, primeiro de bens e depois de serviços – esta mais resiliente, vem caindo vagarosamente. Atrapalhou bastante à queda da inflação as bravatas do presidente Lula sobre vários temas: alteração das metas de inflação, reestatização da Eletrobrás, controle de preço dos combustíveis, mudanças no marco do saneamento, etc. Todas, sem exceção, vão no caminho oposto do que parece ser razoável, e algumas delas vêm sendo “esquecidas” pelo governo mais recentemente. Houve, do lado positivo, o anúncio do arcabouço fiscal, bem recebido pelo mercado mas com muitas pontas soltas. A dificuldade será a implementação do aumento de receitas, que depende de alterações no CARF, cobrança de PIS/Cofins sobre bases alteradas de ICMS, entre outras.

Mal ou bem o mercado se tranquilizou com os bons sinais da política fiscal de Haddad, mas o mais importante vem de fora – talvez a elevação dos juros pelo FED tenha terminado na reunião do início de agosto/23, o que é bastante positivo para os mercados emergentes. Os juros futuros já vinham fechando e acentuaram seu movimento, assim como o dólar passou a se desvalorizar com mais força frente ao real, ajudando bastante o combate à inflação no Brasil, com alguma defasagem. O dólar veio de R$ 5,28 em dezembro/22 para cerca de R$ 4,90, tendo operado próximo a R$ 4,75 recentemente.

Enxergamos uma perspectiva extremamente favorável para o mercado de ações nos próximos trimestres, mas no stock picking, fora do Ibovespa. As perspectivas para a China, grande demandadora de commodities e que acaba fazendo o preço de muitas delas, não é das mais positivas. O governo chinês vem tentando, há algum tempo, estabilizar o setor de incorporadoras de imóveis depois de muitos problemas, entretanto pouco conseguiu com isso. Os estímulos serviram basicamente para estancar os problemas das companhias e para garantir a entrega dos imóveis vendidos aos respectivos compradores, sem estímulo adicional para o crescimento do já anabolizado setor de incorporação de imóveis na China. Com isso, alguns temas ficam menos atraentes, como mineração de minério de ferro e siderurgia. O setor de papel e celulose brasileiro tem vantagens comparativas claras em relação a outros países, como o clima – a árvore cresce em menos tempo aqui – e a disponibilidade de água e de terras para o desenvolvimento das florestas. Houve uma queda de preços relevante na celulose mas, dado o baixo custo das companhias, conseguiram absorver a queda nas margens, que ainda estão em patamar saudável. Nos frigoríficos há cenários diferentes para cada um dos players, mas o que é mais relevante é a virada no ciclo do gado tanto no Brasil (para positivo), quanto nos EUA (negativo), aumentando a margem do frigorífico aqui e reduzindo nos Estados Unidos. Em relação ao setor de petróleo, o investimento nas juniors nos parece o mais adequado, já que não conseguimos saber até onde irá a intervenção do governo na Petrobras, que nos parece elevadíssima. Preferimos não correr este risco nos atuais níveis de preço.

Os setores domésticos (consumo e varejo) nos parecem mais atraentes, pois passamos os últimos 2 anos com os juros subindo ou parados num patamar extremamente contracionista, o que não só piorou o ambiente para os consumidores, mas também bateu nos resultados das empresas de duas maneiras: geração de caixa muito mais fraca e aumento do endividamento. A competição de pequenas e médias empresas também foi muito afetada, o que por outro lado melhora a competitividade das empresas formalizadas e mais bem estruturadas. Varejistas de maneira geral sentiram muito a crise, com benefício para aqueles focados na alta renda, com clientes mais resilientes aos choques econômicos. No e-commerce somente o Mercado Livre passou bem pela crise, tendo havido uma enorme destruição de valor nos players menores, que não conseguiram se aproveitar do encolhimento das Americanas pós-crise. Já o varejo alimentar agora tem como grande força os atacarejos, que acabaram por quase sepultar o segmento de hipermercados – sobraram os pequenos mercados de vizinhança, mercados de bairro ou os mercados high-end, atendendo os clientes de alta renda. Os atacarejos conseguiram juntar preço baixo a uma oferta razoável de serviços (açougue, padaria, etc), conseguindo manter a clientela dos hipermercados e atendendo também pequenos comerciantes com preços de atacado.

O setor de incorporação de imóveis segue bem, tanto nas faixas de renda mais baixa, apoiadas no programa Minha Casa Minha Vida, agora turbinado pelo governo federal, quanto nas faixas de renda mais elevada, onde há financiamentos e os juros subiram menos do que o CDI. Nesta  crise da qual estamos saindo as empresas entraram desalavancadas, ao contrário do que ocorreu no governo Dilma, quando houve uma devastação no setor e as empresas perderam facilmente mais de 50% de seu valor.

Estamos no início do ciclo de queda dos juros, que poderá chegar a 8% no final de 2024. Teremos, portanto, um período de forte desalavancagem financeira nas empresas, uma enorme alavancagem operacional pelos ajustes feitos nos períodos de crise e com as concessões de crédito também sendo ampliadas para o consumidor final. Estamos mais construtivos em relação ao crescimento do PIB para 2024, que acreditamos pode chegar a +2%, o que nos dá embasamento suficiente para acreditar que este novo ciclo no qual estamos entrando será muito intenso e positivo, ainda que possa ser curto.

Assim, temos construído nosso portfolio de maneira concentrada, com as companhias nas quais vemos conforto de valuation e que tenham diferenciais competitivos importantes. O varejo responde por 30% do nosso portfolio (grosso modo 10% em cada: alimentar, vestuário e e-commerce), as incorporadoras por 27% (60% baixa renda e 40% média/alta), os financeiros não bancários por 15% e as locadoras por 13% (leves e pesados); commodities e consumo, ambos com 8% praticamente fecham a carteira. Nossa exposição bruta está em 113% do PL e a líquida em 99,5%.

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