Após quase uma década de volumes pífios (da ordem de R$ 6,5 bilhões diários em valores nominais), a Bovespa passou a negociar volumes mais elevados desde 2018, chegando a picos de R$ 30 bilhões (médias de cerca de R$ 25 bilhões desde 2020). Essa realidade, entretanto, vem mudando desde a eleição presidencial, reflexo da baixa expectativa do mercado com o novo governo, e da perda de interesse dos investidores com a grande concorrência da renda fixa nos últimos 2 anos. Para ter uma ideia de quão irrisórios são estes valores, as ações da Apple negociam diariamente cerca de US$ 10 bilhões, ou cerca de R$ 51 bilhões, a Amazon US$ 5 bilhões e a Tesla, cerca de US$ 20 bilhões diários.
E por que esses números importam para o mercado doméstico? Importam porque mostram algumas coisas:
Mas há o outro lado da moeda também: nos momentos de pânico no mercado e busca por liquidez a qualquer custo, aparecem as melhores oportunidades de investimento. Há que se ter, no entanto, o chamado staying power – capacidade de manter seu passivo mesmo com perdas nas cotas –, ou seja, investidores que realmente acreditam no estilo de gestão e na capacidade do time de escolher os melhores ativos em relação ao retorno ajustado ao risco. Deparamo-nos com uma infinidade de oportunidades nos últimos meses, e temos tentado aproveita-las; não sem uma dificuldade de carregar tais posições, que muitas vezes ainda caem bastante antes de se recuperar.
Ações de empresas com bons modelos de negócios foram dizimadas nos últimos meses, e oferecem oportunidades interessantes. A maioria caiu pelo aumento nas taxas de desconto e pela redução no crescimento de lucros para os próximos 12 meses, especialmente em virtude do aumento substancial nas despesas financeiras. Outras foram chacoalhadas por riscos de cauda que acabaram se consumando no curto prazo.
A Minerva Foods, por exemplo, sofreu bastante em virtude do embargo temporário de suas exportações à China por conta da doença da vaca louca, já caracterizada como atípica. Isto em nada muda a tese de investimento, mas a ação caiu 14% de 45 dias para cá. As petroleiras juniors como Prio e 3R foram abatidas pelo imposto de exportação de petróleo, excrescência criada pelo governo para tapar um buraco de caixa por 4 meses – como resultado, as ações caíram 22% em 10 dias.
Temos montado algumas pequenas posições em ações que acreditamos que estejam extremamente subavaliadas, mas que permanecem com excelentes perspectivas, sob a rubrica “oportunidades” em nosso fundo. As posições core do fundo continuam em grande parte inalteradas, respondendo por cerca de 70% do patrimônio. As posições de trading, que agora tem entre 20% e 25% do PL do fundo, tem liquidez elevadíssima e são, em geral, de setores ligados às commodities.
Merece comentário em nossa carta também a cloroquina do governo Lula, ou seja, a ideia de que não é necessário um ajuste fiscal e de que os livros de economia estão superados, e deveriam ver gastos com saúde e educação como investimento. Apesar disso, acreditamos que o tal Arcabouço Fiscal será convincente e suficiente para encomendar uma queda relevante dos juros a partir do segundo semestre deste ano. Mas os juros não cairão na marra por desejo do governo e do PT; há que se esperar o momento oportuno a ser ditado pelo Banco Central.
Importante destacar o elevadíssimo patamar dos juros reais no Brasil, por volta de 8% ao ano, o que inviabiliza novos investimentos, e torna mais difícil o carrego dos ativos de risco. Entretanto, acreditamos que estamos no ponto de máximo dos juros, em que pese a dificuldade na queda da inflação. As taxas são elevadas também por conta das dificuldades com o ajuste fiscal e com o convencimento do mercado, que tem assistido o “tiroteio” do PT contra a autoridade monetária.
Outro ponto extremamente sensível neste 1T23 foi o evento das Lojas Americanas, que levou a um aperto geral na concessão de crédito pelos bancos e a um aumento no custo do dinheiro para as empresas, sem exceção. Possivelmente veremos um aumento adicional nas provisões dos bancos (que já estão bem provisionados) para créditos de liquidação duvidosa, em especial naqueles concedidos às pequenas e médias empresas, mais vulneráveis e que operam com crédito de curto prazo.
Apesar de todo este preâmbulo negativo, vemos o atual momento como bastante interessante para o investimento em ações, pelos seguintes motivos:
Ainda não falamos sobre o cenário externo, na maioria das vezes dominante em relação aos mercados emergentes, o FED e crise bancária.
Países como Rússia e China, não investível e pouco investível, respectivamente, representam desafios para investidores estrangeiros que buscam oportunidades em mercados emergentes. Com a reabertura total da economia chinesa após três anos de restrições rigorosas devido à política “Covid zero”, muitos investidores voltaram a olhar para os emergentes como uma fonte de retorno interessante. No entanto acessar tais mercados diretamente tem se provado mais difícil seja por medo de intervenção governamental no setor privado e instabilidade política – somada à guerra contra a Ucrânia como é o caso da Rússia –, seja por falta de transparência e limitações regulatórias como é o caso da China.
Em contrapartida a essas duas opções, o Brasil se destaca por oferecer um ambiente jurídico mais estável para o investimento direto e por se beneficiar da reabertura da China. Com o fim dos lockdowns a partir do final de outubro de 2022 tivemos, em um primeiro momento, a recuperação dos setores ligados à mobilidade e aos serviços como o setor de turismo e o de consumo. Agora, cinco meses após o início da reabertura, começamos a observar o setor imobiliário se estabilizando. Em fevereiro tivemos um aumento nos pedidos de empréstimos e as pesquisas mostraram uma melhoria nas vendas e nos preços dos imóveis. Essa defasagem do impacto da reabertura nos setores explica parte da diferença da evolução do preço dos ativos MCHI US e EWZ US. O MCHI US é um ETF que acompanha o desempenho do índice MSCI China Index composto por empresas chinesas de grande e médio porte sendo que 38% do setor é consumo e apenas 4% é infraestrutura. Considerando que o Brasil é um grande exportador de commodities, incluindo minério de ferro, carnes e celulose, esperamos um impacto positivo significativo para as empresas brasileiras ligadas a estes setores.
Quando olhamos o earnings yield (inverso do PL, ou preço/lucro) do Ibovespa e o comparamos com o juro real longo de 10 anos, vemos que o mercado de ações continua muito descontado, especialmente nas companhias ligadas aos setores domésticos. Juros reais de 10 anos a 6% ao ano parecem de fato exagerados; a definição do arcabouço fiscal e a aprovação das reformas ajudarão bastante na queda dos juros reais em pelo menos 200bps, ou seja, para 4% ao ano.
Na contramão da recuperação da economia chinesa estamos vendo a norte americana em uma situação cada vez mais complexa. De um lado temos uma inflação ainda persistente que indica que o FED ainda não terminou o seu trabalho contracionista e do outro temos um setor crítico para qualquer economia, o bancário, apresentando fragilidades devido ao aumento da taxa de juros – e enfrentando pesadas perdas na marcação a mercado dos títulos públicos.
A expectativa é de que o FED faça no máximo mais um aumento de 0,25% nos juros, com possibilidade de início de cortes no final do ano, com a economia em soft landing, ou seja, sem uma recessão que gere solavancos. Este cenário seria ideal para os mercados emergentes, que surgiriam como regiões com bom potencial de crescimento e que já estariam mais adiantados no trabalho de desinflacionar suas economias. Poderiam, então, partir para cortes de juro no curto prazo.
Para o Brasil, não há atalhos. Chegamos a um ponto no qual há pouco espaço para aumento de arrecadação como proporção do PIB, ao mesmo tempo que a dívida pública já atingiu números preocupantes. Há que se fazer uma lição de casa que enderece a solvência do Estado, o que geraria condições para a valorização expressiva dos ativos de risco. Estamos no início desta caminhada, com sinais encorajadores emitidos pelo ministro Haddad e sua equipe.
Obrigado pela confiança!