Carta Macro – Agosto 2022


Mesmo com o bom desempenho dessas últimas semanas, a melhor coisa dos mercados brasileiros segue sendo o preço. Sob qualquer métrica, comparando com vários momentos da nossa história recente, tudo está ainda muito barato. Juros reais longos entre 5,5% e 6,0% com os nominais perto de 12,0% são sinais de que o mercado projeta riscos ainda relevantes adiante. Na bolsa, essa percepção de risco leva a um grande desconto, especialmente nas empresas voltadas ao mercado doméstico, que estão tão ou mais baratas do que nos períodos mais graves das crises na nossa história recente.

Para ilustrar essa distorção no mercado de ações, na Figura 1 mostramos a relação preço/lucro (P/E) esperado para 12 meses, do Índice de Domésticos da bolsa. Construímos esse índice partindo do IBOV e retirando as empresas produtoras de commodities e as estatais. Para refletir um pouco melhor as condições da economia brasileira, retiramos também os grandes bancos (que passaram, por razões setoriais, por uma fase de compressão nos múltiplos nos últimos anos). O que fica é um índice que representa as empresas que atuam no mercado doméstico e que, portanto, respondem às perspectivas de inflação, juros e crescimento do país.

FONTE: B3 e Safari Capital

Percebe-se que essa precificação das empresas oscila muito, mas que hoje o patamar de preços desconta cenários extremos. Estamos no mesmo nível do período de greve dos caminhoneiros e eleição de 2018, do início da pandemia ou mesmo dos piores momentos do governo Dilma. Os piores momentos dessas crises foram também os melhores pontos de compra do mercado brasileiro recente.

Essa superavaliação dos riscos (pra cima e pra baixo) são bem comuns no mercado porque é uma característica dos ciclos brasileiros. Em vários momentos da nossa história recente testamos extremos, esticando as restrições fiscais ou externas e deixando a inflação subir demais. Com isso, o ajuste (com a queda da inflação) é um processo penoso que custa juros reais elevados e queda do PIB; o que comprime muito o mercado de ações.  Por outro lado, quando se resolve (ainda que parcialmente) essas restrições, as voltas também são muito fortes.

É claro que o que vimos no passado pode não se repetir. E se o mercado está barato, ele sempre pode ficar ainda mais barato adiante. Mas, apesar de todos os desafios ainda remanescentes, esperamos uma dinâmica mais baixista da inflação nos próximos meses, e, para o atual nível de preços, temos uma visão positiva para o resultado da eleição. O mercado pode oscilar, ainda há riscos globais relevantes, mas a diferença entre os preços e o cenário que vislumbramos justifica estarmos posicionados. Especialmente nas histórias domésticas. Especialmente nas histórias alavancadas a queda nas taxas reais de juros. Vamos tentar justificar esses pontos abaixo.

Inflação fazendo pico…

Esse período de inflação muito alta no Brasil tem uma combinação de 4 componentes já bem conhecidos: 1) Forte elevação das commodities que aceleraram com a invasão da Ucrânia; 2) Aumento na demanda por bens em um momento de gargalos de oferta no pós-pandemia; 3) Mais recentemente o aumento no preço de serviços relacionados à reabertura da economia e 4) Indexação. A importância relativa desses fatores variou no tempo, mas foi a sobreposição desses choques que trouxe a inflação tão para cima nos últimos 12 meses.

Nos próximos meses, veremos a inflação global de bens (commodities e bens industriais) com uma dinâmica mais favorável. Também teremos uma pressão menor nos serviços devido ao fim da reabertura. Parte dos choques que botaram a inflação para cima deve se dissipar, portanto. Estamos ainda longe de resolver o problema, até porque a indexação e a desancoragem das expectativas andam junto com a fragilidade do regime fiscal, mas a dinâmica deve ser melhor.

Começando pelas commodities, o pico foi em Junho (Figura2). Lá os preços refletiam uma rápida expansão da demanda com condições de oferta desafiadoras, especialmente após a invasão da Rússia na Ucrânia. Preços no pico mostravam os riscos de escassez de boa parte das commodities. Nesses últimos meses esse quadro tem mudado rapidamente pelo lado da demanda.

FONTE: Bloomberg

Na China, a reação de policy do governo está diferente de outros ciclos. Isso é, provavelmente, a maior mudança no cenário dos últimos meses. Mesmo com o setor imobiliário vindo para baixo e colocando riscos maiores sobre o mercado de crédito, o governo segue com medidas de estímulo pontuais, se conformando com um crescimento muito abaixo de suas metas. Os objetivos de longo prazo – evitar o sobreinvestimento no mercado imobiliário e os excessos no mercado de crédito – estão se sobrepondo aos objetivos anticíclicos. A isso se soma a manutenção da política de Covid-Zero que, se funcionou no inicio da pandemia, não parece adequada para as variantes mais transmissíveis. A demanda esperada da China por commodities é hoje mais baixa, portanto.

Nos países ricos, o aperto nas condições financeiras e a queda na renda real está desacelerando a demanda. Um bom exemplo é o comportamento do preço da gasolina nos EUA. Há poucos meses, o grande receio era que os gargalos no refino e a demanda aquecida levariam o preço da gasolina para bem acima dos USD 5 por galão ao longo do verão, quando a demanda é sazonalmente mais forte. Mas, a subida acumulada nos preços e a renda real menor colocou essa demanda rapidamente pra baixo. Hoje, a gasolina está caindo para baixo dos USD 4. Mesmo com gargalos na produção, a queda da demanda se sobrepôs. 

Essa queda mais rápida na demanda global mudou a distribuição dos riscos no mercado de commodities. Se há poucos meses, o risco elevado de escassez gerava uma assimetria pra cima, hoje, com a demanda mais fraca, o risco parece maior pra baixo. Sinais de uma safra um pouco melhor ou algum aumento na oferta de energia ou grãos de Ucrânia / Russia geram efeitos significativos para os preços. As quedas recentes nas commodities agrícolas e nas de energia refletem esse balanço mais favorável, o que deve ajudar na queda da inflação nos próximos meses.

Essa mesma lógica está começando a ajudar os preços Industriais. A menor demanda global e o ajuste crescente da oferta devem, finalmente, começar a normalizar os preços. É verdade que essa queda na inflação de bens é esperada há tempos. Uma das razões que levou o Fed a ficar para trás da curva nesse ciclo foi a projeção de que esses preços cederiam já no ano passado, o que obviamente não veio. Olhando adiante, casos de Covid na China e a crise energética na Europa são riscos ainda na mesa. Mas, desta vez, as condições são melhores porque, além de uma recuperação gradual da oferta, a demanda está caindo. Estoques ajustados e a redução no custo de frete global são sinais de que a fase de escassez de oferta está ficando para trás. A própria queda nas commodities é hoje um bom preditor dessa menor pressão nos preços industriais. O mais provável é que a trajetória de inflação desse segmento deve ser mais benigna e os últimos dados começam a mostrar isso (Figura 3).

FONTE: IBGE e Safari Capital

Quanto a inflação de serviços, esta é mais baixa, mas mais resiliente. Em boa medida, os serviços são preços mais indexados por dependerem mais de contratos (aluguel) ou serem mais intensivos em trabalho. Mas, a reabertura que vimos no 1º semestre desse ano também pressionou os preços. Atividades que estavam operando com restrições voltaram a normalidade o que permitiu um repasse de preços, em muitos casos acentuado por uma demanda reprimida que surge com a reabertura. Quem passou por qualquer restaurante na cidade ou teve que comprar uma passagem aérea nesses últimos meses percebeu essa pressão. A boa notícia é que só reabrimos uma vez. A recomposição de margens, em boa medida, já ocorreu. Esses serviços relacionados a reabertura vão pressionar menos adiante.

Na Figura 4 colocamos o que esperamos no IPCA para o curto prazo. A inflação fez um pico em Junho e deve cair ao longo do ano. Isso, claro, sem falar na queda artificial de combustíveis que o governo promoveu para essa eleição e que impacta os administrados. Parte relevante da inflação no pós-pandemia, deve-se ao choque dos preços nas commodities, nos bens industriais e nos serviços relacionados à reabertura. Esses choques devem se dissipar nos próximos meses.

FONTE: IBGE e Safari Capital

…e Juros também

Com inflação fazendo pico, a questão, claro, é como isso se reflete na taxa de juros. Dissipar parte dos choques nos preços que sofremos é importante porque muda o balanço de riscos sobre o comportamento da inflação futura. Essa foi a principal alteração dos últimos meses. Mas em um prazo mais longo, a resistência da inflação e sua convergência para a metas deve ser determinada pela inflação de serviços. Aqui, o que vai acontecer com a política fiscal no próximo governo importa. Ainda assim, salvo uma grande instabilidade fiscal (o que, justificamos adiante, é improvável), a inflação dos preços livres deve cair de maneira consistente ao longo de 2023.

O banco central parece ter incorporado esse risco de um cenário mais benigno para a inflação global. Isso e o fato de estarmos já bastante adiantados no ciclo de aperto levou o Copom a sinalizar com maior clareza que o ciclo de subida nos juros está próximo do fim, mesmo tendo em conta os riscos fiscais remanescentes.

 De fato, se o cenário que descrevemos acima prevalecer e com a desaceleração esperada para a economia no ano que vem, devemos ver a inflação de serviços caindo no decorrer de 2023 o que, junto com o comportamento mais benigno da inflação de bens, vai nos deixando mais próximo da meta no horizonte da política monetária. A inflação corrente ainda é muito alta, os desafios são relevantes, mas se a inflação tem uma dinâmica melhor e as incertezas fiscais se reduzirem com a eleição, o ciclo de cortes pode não estar assim tão distante.

O mercado vinha precificando um período longo sem cortes e com prêmios ainda muito elevados na parte mais longa da curva. Depois dos sinais do Copom, os riscos mais baixistas para a inflação começaram a vir para a curva de juros. Mas, ainda longe de sinalizar normalidade. Até porque parte dos prêmios gordos deve-se ao aumento do risco fiscal e à desancoragem de expectativas dele decorrente. Temos, portanto, que falar sobre o que esperar do pós-eleição.

Eleições ajudam

Já abordamos isso longamente na nossa última carta. Estamos no início da campanha, Bolsonaro parece melhor posicionado do que há 3 meses e a eleição deve ser apertada. Mas, Lula segue com o favoritismo, até porque se a queda na inflação e o reforço no Auxílio, ajudam, as condições econômicas estão ainda longe de colocar o governo em uma posição favorável nos temas econômicos.

Pensando nos desfechos e seus efeitos sobre a política econômica, Bolsonaro é mais do mesmo, mas com um pouco menos do populismo fiscal que caracterizou a sua gestão nesses últimos meses. O governo carrega um paradoxo: para manter o discurso radical e uma postura anti-establishment (o que, sem dúvida, lhe dá capital político), o governo teve que fechar um acordo com o que há de mais atrasado na política brasileira. O acordo é simples: o Centrão dá estabilidade política mesmo quando o presidente radicaliza e em troca leva a discricionariedade sobre o orçamento e o poder de conduzir a agenda no Congresso. Funciona bem para os dois lados e dificilmente isso vai mudar em um segundo mandato.

Mas, o Centrão, sendo Centrão, sabe também que não pode abraçar uma ruptura econômica, pelo menos não no início do mandato. Isso deve levar a pressões menores no campo fiscal e a agenda, que tem sido a de expandir gastos para a eleição, deve ganhar um pouco mais de racionalidade no primeiro ano. Haverá, de início, um respeito maior ao teto ou a uma nova regra de controle fiscal (pelo menos até as eleições municipais), a gestão das estatais deve seguir boa e as possibilidades de privatização ficam maiores. Não deve ser uma grande compra (porque não se pode esperar muito das reformas e também porque a pressão por mais gastos vai voltar), mas o mercado precifica um cenário pior do que este. Afinal, sem um descontrole fiscal no curto prazo, a inflação deve seguir em queda gradual, o que abre espaço para quedas nos juros e alguma recuperação cíclica.

Já Lula representa os extremos dessa eleição. Do lado negativo, a avaliação econômica de muitos no seu entorno é, para dizer o mínimo, atrasada. Há matizes, é verdade, com parte defendendo o protagonismo do Estado no investimento e outros pregando uma expansão maior nas transferências aos mais pobres, mas sem contrapartidas fiscais. Independente do diagnóstico, a solução vem sempre pelos gastos. Por trás disso há a hipótese, nunca comprovada, de uma insuficiência de demanda na economia brasileira e que a expansão nos gastos públicos jogaria nosso crescimento para cima e reequilibraria a dinâmica da dívida sem gerar inflação. Como se o ajuste fiscal fosse uma maldade desnecessária da direita. Os anos Dilma, quando tudo isso foi colocado em prática e fracassou vergonhosamente, de nada serviram para levar esses grupos a uma reflexão. Se Lula for por aí, vai ser um desastre. O risco desse retrocesso na agenda, com o governo perdendo o controle no campo fiscal, colabora para prêmios tão elevados na curva de juros e nos múltiplos amassados das empresas no Brasil.

Mas, esse caminho parece muito improvável com limitações políticas evidentes. Veja, a bancada dos partidos de esquerda na Câmara não tem mais do que 130 votos. Se for bem sucedida nessas eleições, as projeções apontam para um bancada na nova legislatura de 150-160 deputados. Lula teria uma oposição aguerrida, com base e mobilização social, de mais de 100 deputados. Vai governar um eleitorado dividido com a polarização aumentando caso a crise econômica se agrave. Nesse contexto, 160 deputados não bastam para lhe dar estabilidade política. Se quiser evitar os processos de impeachment qualquer governo precisa de 171 deputados, caso queira ter o mínimo de governabilidade (passar MPs, ter os vetos mantidos) ele precisa de 257 votos, isso sem falar nos 308 votos necessários para emendar a Constituição, o que qualquer alteração no teto de gastos demandaria.

Para governar, portanto, Lula terá que organizar uma coalizão que vai além das esquerdas. No campo político os sinais tem vindo nessa direção. A escolha de Alckmin para vice, seu protagonismo crescente na campanha, os acordos regionais com o MDB, a aproximação com setores do União Brasil e do PSDB e a proximidade com o PSD do Kassab mostram que Lula tem o caminho da coalizão em mente. Mas esses partidos foram os que lideraram as últimas reformas, especialmente durante o governo Temer. Parece improvável que eles topassem uma revogação das reformas desse período para entrar em uma aventura econômica. Ou seja, nessa fase da campanha, as propostas econômicas tem muita cara de PT. Mas, mais próximo da eleição e no governo, as propostas devem se aproximar ao que a coalizão permite. O espaço pra rupturas, mesmo que Lula quisesse, não existe.

Politicamente, em um eventual governo Lula, parece que a coisa caminha para uma agenda mais pragmática combinando um waiver para gastar mais por um período com uma regra fiscal crível que garantisse a estabilidade da dívida e uma reforma tributária ampla. Essa agenda funciona bem, mas é fundamental que ela seja implementada por uma equipe econômica de credibilidade, até porque a bondade (a expansão de gastos) vem na frente do ajuste. Se Lula mostrar o mesmo pragmatismo na escolha de seu time econômico que tem mostrado nessas primeiras negociações políticas, o upside do mercado é grande.

Não estamos minimizando a turbulência que virá nesse período, será uma eleição apertada com alguns momentos perigosos de radicalização. Mas, na normalidade democrática que deve prevalecer, o que pode vir dos dois lados está longe do ótimo, mas é muito melhor do que está nos preços. E há um desfecho que pode ser bem positivo.

Estratégias e Riscos

Inflação em queda, juros fazendo um pico e os desfechos prováveis da eleição nos deixa positivos. Olhando para os setores da bolsa, esta é uma história para as empresas domésticas que se beneficiam rapidamente da queda nos juros e da percepção de riscos. Setorialmente, gostamos de incorporadoras, do varejo alimentar e de vestuários, além das locadoras, dentre outros. O mercado está iniciando a volta positiva do ciclo.

Por volta de ciclo entendemos não haver uma retomada de crescimento no curto prazo. Pelo contrário, isso ainda deve demorar pois a economia ainda tem muito pra desacelerar com o aperto monetário que o BC implementou. Mas para os ativos, a parte boa dos ciclos brasileiros não começa com a aceleração do crescimento do PIB e dos lucros das empresas. Isso é mais pro meio do ciclo. Uma parte importante dos ganhos vem com o pico de inflação e dos juros. É esse pico que caracteriza o começo da volta do mercado de ações, pelo menos para as empresas domésticas.

Na Figura 5 descrevemos os picos de inflação e juros nos últimos anos. São 3 momentos: 2011 com o pico da inflação derivada da retomada pós-crise financeira, 2016 com o pico da crise no governo Dilma e 2018 com os riscos eleitorais. Se estivermos corretos, estamos fazendo outro pico por agora.

Na tabela abaixo calculamos para várias janelas os ganhos que o nosso Índice de Domésticos teria para várias janelas após os picos de inflação e juros em cada uma dessas crises. São ganhos expressivos, especialmente nas voltas de 2016 e 2018, quando os múltiplos estavam também mais comprimidos (Figura 1), em níveis comparáveis ao mercado de hoje.

FONTE: IBGE e Bloomberg

Vale lembrar que essa é uma carteira de papéis domésticos no IBOVESPA, não há avaliação sobre a qualidade das empresas. Estamos falando apenas de beta, portanto. Uma carteira bem montada com empresas domésticas, que capture seus ganhos no risco idiossincrático, tende a um desempenho até superior nessas voltas de ciclo. Especialmente nas empresas mais elásticas à queda de juros. É isso que temos carregado.

Quanto aos riscos, nos preços atuais nos preocupa mais o risco global. A perspectiva favorável para a inflação também trouxe a curva de juros americana para baixo nos últimos meses. Mas essa dinâmica melhor da inflação, a comunicação por vezes hesitante do Fed e a performance melhor das empresas no último trimestre, colocou o mercado americano em uma combinação de preços inusitada: Na renda fixa, os juros projetam que o ciclo de aumentos por lá terminam no 1º TRI próximo a 3,75% com os cortes já aparecendo a partir de Maio/Junho do ano que vem. Para isso acontecer a atividade teria que cair rapidamente para a inflação voltar para uma trajetória consistente com os objetivos do Fed. Já do lado das bolsas, o S&P 500 está hoje no múltiplo de lucro pra 12 meses próximo a 18 vezes. Nesse nível, ele está 25% mais caro do que o pior momento do ciclo de 2018-2019, quando a economia americana desacelerou sem entrar em recessão. Esse soft landing faz sentido? A forma de conciliar esses dois mercados seria a expectativa de choques positivos de oferta (fim do conflito Russia x Ucrânia, aumento na taxa de participação no mercado de trabalho, etc) que baixassem os preços, convergindo a inflação para a meta sem desacelerar excessivamente a economia americana. Com o mercado de trabalho historicamente apertado, inflação de salários e core inflation ainda muito altos, isso parece improvável. Para trazer a inflação para suas metas, o mais provável é que o Fed tenha que subir mais os juros do que está na curva e a atividade tenha que cair mais do que os múltiplos do S&P refletem hoje.

Isso não é necessariamente ruim para o equilíbrio brasileiro porque, como vimos, a queda na inflação global é central para que tenhamos uma queda nas taxas por aqui. Mas a velocidade desses movimentos importa. Se o mercado lá fora fizer uma correção abrupta antes que os indicadores de inflação tomem uma trajetória de queda mais consistente ou que tenhamos sinais mais claros no campo fiscal por aqui, a queda no mercado brasileiro pode ser importante. Para esses cenários de ajustes mais extremos é importante ter alguma proteção.

Mas a grande aposta nos nossos portfolios está nessa virada no ciclo doméstico. Claro que a arte está em, além de fazer o melhor stock picking, identificar os picos de inflação e de juros. Se estivéssemos longe disso ou o mercado ainda estivesse caro, não faria sentido ter uma posição relevante com riscos globais ainda mal precificados. Mas os argumentos que demos acima sobre a dinâmica da inflação e os riscos positivos no pós-eleição nos indicam que estamos passando por esses picos. E o mercado com múltiplos historicamente baratos abre espaço para uma forte correção nessa melhora. Apesar dos riscos, é hora de ter posição.