Estamos a 11 meses da eleição. Quando pensamos no cenário para a economia e os mercados nesses próximos 12 -24 meses é difícil não falar dela. A eleição já é o assunto predileto no mercado, na mídia e já entra em qualquer discussão que trate o país a mais longo prazo. Mas, apesar do interesse, nos preços do mercado, isso ainda não faz tanta diferença. É o assunto que todos comentam, mas o efeito prático ainda é menor que o barulho.
A razão para isso é que, apesar de Lula ainda estar bem nas últimas pesquisas, o resultado dessa eleição, em um país tão polarizado, parece muito em aberto. Esta é uma eleição em que dificilmente o vencedor vai abrir mais do que 5pp no 2º Turno. Além disso, há uma outra força impulsionando decisões e preços, esta com efeitos bem maiores no curto prazo: Juros. Afinal, errar aqui custa todos os dias. E tanto a política monetária no Brasil quanto lá fora estão passando por momentos importantes. Essas histórias ainda dominam a dinâmica dos ativos. Nos próximos 3 a 6 meses, é mais importante ter uma boa projeção sobre política monetária do que um bom prognóstico eleitoral. Isso deve mudar adiante, mas a ideia aqui é detalhar o que enxergamos sobre a liquidez global e local e seus impactos sobre os mercados e, claro, falar um pouco sobre eleições
Ao longo deste ano a economia americana tem sido afetada por dois choques que impactam as trajetórias de oferta/demanda e a dinâmica dos preços. A natureza desses choques provavelmente explica o paradoxo aparente de termos um mercado de trabalho em clara desaceleração (beirando a recessão), mas com os dados de demanda doméstica ainda robustos.
O primeiro desses choques são as tarifas e seus efeitos são mais evidentes no curto prazo. Tarifas foram anunciadas em abril e depois de muitas idas e vindas (que ainda seguem) elas foram implementadas totalmente a partir de agosto. Tarifas são um choque na estrutura de custos das empresas que vão reagir com 3 iniciativas não excludentes: repassar para seus preços finais, reduzir os investimentos e reduzir as contratações de mão de obra.
Estamos vendo em graus diversos isso acontecer. Os repasses, ainda que mais distribuídos no tempo estão ocorrendo (core goods no CPI sobem 1,5 YoY em setembro, contra -0,5% YoY no fim do ano passado), o investimento ex-tecnologia está diminuindo desde o 2º Tri e, claro, as empresas estão diminuindo as contratações no mercado de trabalho (agora no nível mais baixo deste ciclo).
É a partir da reação das empresas que o efeito das tarifas se espalha pela economia. É fato que o consumo está ainda relativamente forte, mas a queda nas contratações no mercado de trabalho e o repasse aos preços finais das tarifas mais altas vão reduzir a renda real das famílias. Isso deve trazer consumo mais para baixo adiante, o que vai realimentar a desaceleração do mercado de trabalho. Consumo ainda resiliente com o mercado de trabalho pra baixo, não é bem um paradoxo, mas é uma característica do choque. E a tendência é que o consumo acompanhe o mercado de trabalho na desaceleração.
Se as expectativas de inflação seguirem bem comportadas, o repasse das tarifas muda o patamar dos preços, mas não a dinâmica da inflação adiante. Prevalece, então, o efeito baixista sobre o mercado de trabalho. Por esse caminho, os juros têm que ser mais baixos, o dólar global perde valor e, desde que a desaceleração venha sem sustos, o fluxo de risco vai buscar outras geografias, o que beneficia os mercados emergentes. Bom equilíbrio para o Brasil, portanto.
O segundo choque que está passando pela economia é a expansão da Inteligência Artificial (I.A.). Aqui, os efeitos de curto prazo são mais opacos, mas existem. Primeiro porque a cadeia de I.A. abre oportunidades novas de investimentos para as empresas. No agregado, a formação de capital fica menos dependente dos juros ou das condições de curto prazo. Isso tem protegido parte da demanda agregada dos juros ainda elevados e do choque baixista das tarifas.
Outra consequência da Inteligência Artificial que protege a demanda é a melhora no balanço das famílias. Parte relevante dos ganhos esperados com a I.A. é capturada pelas grandes empresas de tecnologia, o que tem, como sabemos, impulsionado o mercado de ações neste ciclo. Os americanos que têm ações no seu portfolio estão mais ricos, o que permite que ele consuma uma parcela maior de suas rendas.
Finalmente, há o efeito da I.A. sobre a produtividade. Aqui as coisas são ainda preliminares. Analiticamente, ganhos de produtividade são esperados para justificar a expansão no investimento, o que, por sua vez, pode levar a demissões nos setores beneficiados. Também temos tido alguns sinais de que as demissões estão começando a subir nos dados mais recentes e nos anúncios das empresas. Por outro lado, os dados mais abrangentes (Auxílio Desemprego, Jolts) não mostram um ciclo maior de demissões por enquanto. Teremos mais clareza sobre isso depois que o shutdown acabar e a coleta/divulgação dos dados normalizar. De qualquer forma, este é um ponto em que a I.A. ajuda no argumento da desaceleração do mercado de trabalho e da demanda, ao contrário do efeito direto sobre investimento e balanço das famílias, que estimula a demanda.
A questão, claro, é se esses efeitos positivo sobre a demanda que a IA tem causado são suficientes para contrapor os efeitos baixistas das tarifas. O mais provável é que não, pelo menos não a ponto de reacelerar a demanda.
Afinal, o investimento privado representa menos de 18% do PIB e o investimento em tecnologia apenas tem compensado a queda nos demais setores. Quanto ao efeito riqueza via portfólio de ações, isso se restringe aos grupos mais ricos e aqui o multiplicador é muito mais baixo. Grande parte das famílias não está se beneficiando disso e está mais dependente do mercado de trabalho que está desacelerando. Isso sem falar no risco do uso mais ampliado de IA pelas empresas diminuir ainda mais a demanda por trabalho.
Pensando nos ativos, o pior cenário para os emergentes seria uma reaceleração da demanda. Isso elevaria os prêmios nas curvas de juros e apreciaria o dólar no mundo. O fluxo tão esperado não viria mais nesse ciclo e ficaria concentrado nos EUA. Mas, pelos argumentos acima e pelos dados que dispomos até agora, este cenário é hoje o menos provável.
O mundo mais provável está entre um soft landing – com a desaceleração mitigada pelos efeitos positivos da I.A. sobre a demanda – e uma desaceleração maior – com o mercado de trabalho e consumo em uma espiral mais negativa pelo choque de tarifas. As duas histórias são positivas para Emergentes, mas uma desaceleração um pouco maior é ainda melhor pelo efeito baixista sobre juros e dólar.
Olhando para a curva de juros, ela precifica o FOMC trazendo os juros, ao final de 2026, para o nível que a mediana de projeções do FOMC julga neutro (perto de 3,0%). É um soft landing, com cortes discretos de juros sendo suficiente para evitar uma desacelaração maior. Mas, se a atividade convergir para o mercado de trabalho menos dinâmico, os riscos ficam maiores e o mercado vai precificar cortes maiores, trazendo os juros abaixo desses 3,0%.
Portanto, pelos preços de mercados e os riscos dos desfechos mais prováveis, parece que seguiremos tendo um ambiente positivo para emergentes nos próximos meses e o Brasil segue sendo dos Emergentes mais descontados e, agora, perto de um ponto de inflexão na política monetária.
A ressalva aqui é que, com o shutdown, estamos atravessando um período sem dados primários. E a percepção mais recente sobre a atividade e mercado de trabalho tem vindo de dados de menor qualidade. O risco, claro, é dos dados a serem divulgados com o fim do shutdown supreenderem para cima.
No Brasil, a grande dúvida desde o início do ano era se a política monetária mais restritiva conseguiria trazer a inflação para baixo, mesmo com o desequilíbrio fiscal. Afinal, não faz nem um ano estávamos namorando um equilíbrio de dominância fiscal. De lá pra cá, a história global tem ajudado, o câmbio apreciou e, nos últimos meses, tá mais claro que os juros a 15% estão fazendo a inflação convergir para a meta.
Para isso, o papel do câmbio e do equilibrio global benigno foi fundamental. Os 15% de apreciação do câmbio no ano tem ajudado a trazer a inflação corrente mais para baixo. O núcleo da inflação de bens industrializados no IPCA (a parcela mais sensível ao câmbio) está rodando perto de zero. Câmbio, inflação corrente e, claro, a autonomia do Banco Central (BC) ajudam a conter expectativas, revertendo em parte o processo de desancoragem, o que por sua vez colabora para trazer a inflação de serviços para um patamar mais baixo mesmo com a economia a pleno emprego. O núcleo de serviços está rodando a 5,1% anualizado, ainda elevado mas esse núcleo rodava acima de 7% no início do ano, quando tudo estava desancorando.
Há, no entanto, ainda muito a ser feito. As expectativas de inflação estão ainda acima da meta em todos os horizontes e o mercado de trabalho segue pressionado e sustentando uma inflação de serviços ainda elevada.
Mas, ao longo do tempo, a política monetária restritiva vai se transmitindo pela demanda, com a menor expansão do crédito, e levando a desaceleração gradual e difusa da atividade em vários setores. O IBC-BR (que busca refletir uma variação mensal do PIB) está caindo 0.1% na média dos últimos 3 meses. A atividade parece, grosso modo, de lado.
Com a demanda desacelerando de maneira consistente e com menos crédito disponível, é razoável que as empresas se tornem mais cautelosas e reduzam as contratações no mercado de trabalho. Estamos vendo os primeiros sinais disso, com a queda discreta na expansão da população ocupada (Figura 1). Parece o começo de um ajuste no mercado de trabalho.
Os sinais de que a economia está convergindo para uma inflação mais baixa estão mais claros, portanto. A questão que fica é o risco de expansão fiscal nos próximos meses. O governo já está começando a soltar os projetos como o consignado privado, o vale-gás, o aumento no subsídio à habitação e os precatórios pagos em agosto, dentre outros. A partir do ano que vem, teremos também a isenção de IR e a expansão nos gastos dos governo estaduais.
A boa notícia é que o efeito das medidas implementadas até agora tem sido mais baixo. É verdade que leva tempo para que as medidas façam efeito, mas as condições econômicas hoje são também mais difíceis. As famílias estão mais endividadas, a oferta de crédito é menor e o mercado de trabalho começa a desacelerar. O multiplicador desse estímulo fiscal pode ser menor do que no passado. Vamos ter mais clareza disso nos próximos dados. O fato é que os 15% de juros não são moleza e, mantida a selic, os juros reais vão subindo conforme a desinflação vai consolidando.
Se o governo não fizer uma pirotecnia fiscal no curto prazo, parece que janeiro é um bom ponto para o Copom iniciar o ciclo de cortes. Começar com 25 bps em janeiro e seguir no ritmo de 50 nas reuniões seguintes parece o mais provável, com a economia desacelerando de maneira consistente, mas gradual. Na curva de juros brasileira já há um prêmio significativo para esse cenário. E é bom lembrar que, apesar dos riscos do expansionismo fiscal, há riscos também para uma desaceleração ainda maior do crescimento. Afinal, com as famílias historicamente alavancadas, o consumo está muito dependente do mercado de trabalho. Se este consolida uma desaceleração, em um ambiente de contração de crédito, o ciclo para baixo pode ser maior. Este é um mundo de cortes mais acentuados que pode prevalecer se os efeitos da expansão fiscal não forem suficientes para segurar a retração na demanda já em processo. Não é base case, mas o risco pode ir para os preços caso a economia siga desacelerando.
Com a perspectivas de cortes adicionais de juros nos EUA e o início de um ciclo de afrouxamento por aqui, o cenário segue positivo para os ativos brasileiros. São esses os argumentos cíclicos que nos fazem estar comprados na bolsa, mesmo sem utilizar o argumento da eleição. Mas isso não quer dizer que a eleição já não tenha seu efeitos.
Um primeiro impacto da eleição é que ela dá uma alavancagem barata para quem está comprado. Afinal, hoje Lula com cerca de 47% de aprovação é um bocado competitivo. Mas Lula foi muito favorecido recentemente por fatores circunstanciais. As trapalhadas dos Bolsonaros não perduram ou ficam menos relevantes com o tempo. E a queda na inflação de alimentos, que ajudou muito a impulsionar essa recuperação de Lula, tem um forte componente sazonal. O governo ainda tem uma dissociação importante em relação à opinião pública em temas que devem ser relevantes para a eleição e esse acirramento no debate sobre violência e segurança é um exemplo disso. Parece provável que Lula perca popularidade adiante. Por si só, não é uma razão para estar comprado no curto prazo, mas se estamos comprados pelo ciclo de juros, levamos isso de brinde.
Dito isso, o efeito mais importante da eleição quando pensamos na estratégia dos fundos está no horizonte dessa aposta. A história parece boa por tudo que argumentamos aqui. Mas o trade de desinflação e queda de juros vale somente enquanto o trade eleitoral não domina o comportamento dos preços. E nesse ponto, o ambiente global favorável é muito importante para o tamanho dessa janela.
Talvez a eleição que mais se aproxime ao que veremos em 2026 foi a eleição de 2014. Lá como aqui, a política de expansão fiscal estava chegando no limite e havia uma polarização de propostas entre os dois principais candidato (na época, Dilma x Aécio). A distribuição dos cenários era bimodal como hoje e a 11 meses da eleição era difícil cravar um favoritismo.
Outro ponto coincidente é que em 2014 o cenário global era também favorável. E, nessas condições, os preços só mostraram uma reação a partir de agosto/setembro de 2014, bem perto do primeiro turno e quando o cenário global começou a virar. A depreciação do Real veio junto da depreciação das moedas emergentes, mas de maneira bem mais acentuada (Figura 2).
Se isso serve de lição, a história boa em um ano eleitoral difícil perdura enquanto o cenário externo for positivo. Se estivermos errados e, por exemplo, a economia americana reacelera, o efeito sobre os ativos aqui será relevante. Isso porque o horizonte desse trade positivo é curto e não comporta uma reversão no cenário global. Montamos alguns hedges via opção para esse tipo de evento.
Outro ponto é que esta é uma história que depende muito da queda dos juros. No macro, este é o único vetor. Para isso ocorrer, temos que ver uma desaceleração da demanda doméstica a ponto de impactar o mercado de trabalho e consolidar a convergência da inflação. Não é, portanto, uma história de melhora no resultado operacional das empresas voltadas ao mercado doméstico. Pelo contrário, vai faltar demanda.
Mas, se estivermos projetando corretamente, esta é uma história importante de desalavancagem e reprecificação de múltiplos pela queda de juros. Se o desfecho da eleição for bom, a queda nos juros será maior, mas ficando no horizonte pré-eleitoral, há espaço para esses juros se aproximarem dos 12% no nosso base case, o que já faz diferença. Utilities, incorporadoras, concessionárias, bancos e locadoras, são alguns dos setores que se beneficiam desse ambiente.
Por último, o horizonte é restrito o que nos deixa mais cuidadosos com os papéis de baixa liquidez / alta volatilidade. Claro que se der Tarcísio ou Ratinho todos que carregam papéis com essas características vão parecer gênios ao final de 2026. Mas ainda é muito difícil ter uma convicção forte sobre o resultado da eleição e a vol elevada é especialmente perigosa para um trade que hoje parece muito bom, mas tem um horizonte mais curto.
Este é um mercado bom, mas as razões para a compra são as do ciclo econômico, especialmente a queda de juros aqui. O que a eleição faz, por enquanto, é encurtar o horizonte de decisão e aumentar a dependência do cenário global. Tudo isso deve mudar no tempo conforme vamos ganhando convicção sobre o resultado da eleição. Mas, estamos longe disso por enquanto.