Carta Macro – Dezembro 2024


Sem nenhum exagero, podemos dizer que os eventos das últimas semanas devem ser decisivos para o que veremos na economia e nos mercados nos próximos 1 ou 2 anos. Claro que há riscos para todos os lados, que o determinismo deve ser relativizado nesse mundo difícil, mas a eleição de Trump e, especialmente, o fiasco do pacote fiscal de Lula colocam nossa economia em um equilíbrio ruim. O choque de juros que o Banco Central aplicou na última semana já é um reflexo desse ambiente.  Teremos mais inflação, mais juros e menos crescimento adiante. Por outro lado, o câmbio e o novo equilíbrio global também trazem alguns ganhos em potencial, que não existiam no cenário anterior. Vamos detalhar aqui como enxergamos as mudanças no cenário e como isso pode impactar os mercados adiante.

Ainda é difícil fazer projeções precisas sobre a economia global com Trump; afinal não dá ainda para separar o que era o discurso eleitoral com o que veremos na prática. E o primeiro mandato talvez não seja uma boa referência.

Mas uma conclusão sobre as medidas que estão sendo ventiladas é que as coisas boas são boas apenas para os EUA e as coisas ruins eles dividem com o resto do mundo.

No aspecto mais positivo, há a agenda de menos regulação e redução de impostos. É uma agenda que contém riscos porque a redução de impostos piora a dívida pública, mas não parece que o mercado esteja muito preocupado em financiar o governo americano por enquanto. Se esse risco é baixo, o que sobra é positivo para as empresas americanas. Em um ambiente de produtividade e investimento crescentes, essa política pode reforçar um impulso pelo lado da oferta na economia americana.

O lado negativo das medidas que Trump pode tomar, claro, está nas tarifas. Mas aqui, a intensidade e a distribuição no tempo são fundamentais. Tarifas mudam os preços relativos e, se isso não se espalha para os demais preços da economia, não é exatamente um problema no curto prazo (ainda que as implicações de longo prazo sejam negativas). Assim, se o aumento for moderado e/ou distribuído no tempo, é pouco provável que o Fed faça mudanças relevantes no policy e seguiremos no ciclo de queda de juros ao longo de 2025. Talvez a taxa terminal seja mais alta, mas ainda é um ambiente de flexibilização monetária, o que ajuda todos os mercados. Por outro lado, se as tarifas vierem mais rápido e/ou impactarem um conjunto maior de países,  o Fed pode reagir. Além disso, mudanças fortes de tarifa aumentam os riscos de recessão nos EUA e em seus parceiros comerciais. Seria um mundo com mais juros e pouco crescimento.

Esquematicamente, o que está em jogo é a linha que vai prevalecer no governo Trump: se a orientação será a de isolamento da economia americana ou se as tarifas são um instrumento para negociar condições melhores com seus parceiros. No primeiro caso, faz sentido um fechamento mais rápido da economia (tarifas maiores, mais rapidamente sobre mais países), no segundo, haveria um gradualismo nas tarifas, com negociação caso a caso sempre buscando contrapartidas.

Nesse sentido, os primeiros sinais têm sido mais razoáveis. A palavra final é de Trump (o que mantém a incerteza elevada), mas, nos cargos mais ligados à política econômica, ele tem escolhido perfis mais negociadores do que ideológicos. Além disso, Trump é conhecido por medir o sucesso de suas políticas pelo comportamento dos mercados, o que ajuda a evitar loucuras maiores.

Se isso vale, o cenário global é ainda construtivo porque as tarifas são implementadas gradualmente, o que mantém o cenário de queda de juros nos EUA. Mas ele é ainda mais positivo para a economia americana, que se beneficia da agenda regulatória mais flexível e da redução esperada de impostos. O resto do mundo não tem esse lado do policy para ajudar e vai ter que lidar com o risco de Trump exagerar nas tarifas. O que se pode dizer, com mais segurança, é que é um mundo mais pró-USD nos dois cenários.

Esse mundo mais pró-USD em nada ajuda por aqui. No cenário em que tudo dá certo (Trump gradualista nas tarifas, Fed corta juros) os ativos em USD são mais atraentes do que em outras geografias. No cenário alternativo (Trump acelerando tarifas, Fed subindo juros), a instabilidade e a aversão a risco impulsionam ainda mais o USD contra as moedas de países com fundamentos frágeis como o Brasil. Devíamos estar buscando reforçar nossos fundamentos, portanto. Mas não é isso o que estamos vendo.

Haddad até então tinha um plano de voo com o arcabouço, as metas de primário e o aumento esperado nas receitas para financiar um nível mais elevado de gastos. Ocorre que o crescimento mais rápido do que o esperado das despesas obrigatórias (boa parte delas cresce mais do que os limites do arcabouço) vai tirando o espaço das despesas discricionárias. Além disso, o Congresso deu sinais ao longo deste ano que o ajuste apenas pela receita tem limites –  o ponto de inflexão aqui foi a devolução da MP do PIS-Cofins. Para as regras fiscais pararem em pé seria necessário agora um ajuste também pelo lado dos gastos. Mas isso não parece crível em um governo que promoveu uma expansão fiscal na primeira metade do mandato e que tem mostrado muita resistência em cortar gastos para cumprir suas metas.  É com esse pano de fundo que Haddad trabalhou seu pacote de gastos.

O que se esperava com o pacote não era a solução do problema fiscal, mas sim que ele desse condições para uma travessia mais tranquila até 2026. Para isso dois objetivos teriam que ser contemplados: i) o governo precisava reduzir o crescimento das despesas obrigatórias, para ganhar espaço nas discricionárias, minimizando o esforço fiscal dos próximos anos e, mais importante, ii) o governo precisava ganhar credibilidade, sinalizar compromisso com o arcabouço e com as metas de primário e que, para tanto, estaria disposto a controlar os gastos em políticas que lhe são caras.

Pensando nesses dois objetivos, o pacote foi fraco. Ele passou por uma diluição pública, com Lula hesitante e Haddad perdendo inclusive a discussão com o Luiz Marinho sobre o seguro-desemprego, o que abriu menos espaço para as discricionárias do que o governo vinha sinalizando. Mais importante nesse processo, o governo foi mostrando que não aceita bem a contenção de gastos e a ideia de juntar ao pacote a isenção de IR para os que ganham até R$ 5 mil só reforçou essa percepção.

Não que a isenção do IR compensado pelo imposto mínimo para os milionários fosse uma ideia ruim em si. Ela não parece boa porque a isenção para até R$ 5mil é onerosa e beneficia parcela da população menos necessitada. É populismo para atrair a classe média. Mas, de fato, a altíssima renda no Brasil paga muito pouco imposto. O problema é que esse projeto tem riscos de tramitação no Congresso (aprovar apenas a isenção) e, ao incorporar uma medida populista ao pacote de controle de gastos, o governo quis diluir os custos políticos das medidas fiscais. Está preocupado com a popularidade de curto prazo o que é inconsistente com o objetivo de se mostrar comprometido com a consolidação fiscal nos próximos ano.  A ideia do “se faz isso agora, imagina perto da eleição” foi para os preços.

Estamos com a economia crescendo em pleno emprego e o governo ainda com um nível confortável de aprovação. Por outro lado, há sinais preocupantes com o aumento da dívida pública. Este era o momento de o governo fazer um ajuste de rota, dando consistência às regras fiscais que Haddad convenceu o próprio governo a aprovar lá atrás. Nesse processo, o que ficou claro é que, quando chegou a hora de fazer escolhas difíceis, o governo não parece disposto a fazer a correção necessária e que Haddad está isolado nessa agenda. O  pacote que devia ser um passo importante na consolidação fiscal foi decepcionante. O governo trouxe um canivete para uma briga de facas e a falta de disposição em resolver nosso grave problema fiscal foi reforçada,  o que vai começar a ter custos elevados para a economia adiante.

Com a perda de credibilidade no fiscal e a economia no pleno emprego, fica muito mais difícil ancorar as expectativas de inflação, o que é agravado pela deterioração do câmbio e pela piora na inflação de curto prazo. Só restou o BC para promover a ancoragem e boa parte do reequilíbrio vai ter que ser feito pela queda na demanda. É a abertura substancial do hiato que vai reduzindo a inflação ao longo do tempo. Essa é a trajetória mais custosa para a estabilidade, mas com os outros condicionantes de inflação apontando para cima, esta é a única trajetória compatível com a estabilidade.  

Neste equilíbrio, a hipótese é que o BC faça o que deve ser feito (o que, hoje, seria jogar os juros para perto dos 15%, talvez mais), assim as condições financeiras apertam e a economia desacelera mais rapidamente. Se tudo der certo, o câmbio estabiliza e as expectativas vão aos pouco reancorando. Teremos juros estratosféricos, muito possivelmente uma recessão leve no início de 2026, mas a inflação fica sob controle. A queda na atividade é central para isso. Se a atividade mostrar resiliência, o BC terá que subir ainda mais os juros até o hiato abrir e arrefecer as pressões nos preços. É um equilíbrio ruim, com mais juros e menos crescimento do que se as expectativas estivessem ancoradas. Mas, com o fiscal jogando contra, é o melhor que se pode ter hoje.

O equilíbrio alternativo, afinal, é bem pior. Neste, a inflação também roda mais alta e o  BC sobe juros, a economia começa a desacelerar e isso impacta negativamente a popularidade do governo. O que a discussão do pacote mostrou é que este é um governo muito sensível à popularidade de curto prazo. Se a reação do governo à queda de popularidade ao longo de 2025 for a de tentar interferir nas decisões do BC e/ou a de compensar a queda na popularidade com mais expansão fiscal, nosso problema piora bem.

Neste contexto, as subidas de juros do BC seriam contrabalanceadas pelos gastos mais elevados do governo e pela expectativa de piora contínua no fiscal. Vamos para uma combinação cada vez pior de juros e déficits primários crescentes e a deterioração na trajetória do endividamento ficará ainda mais evidente.

Seria uma espécie de dominância fiscal versão Lula, em que o aumento de juros perde eficácia pela resposta do governo no fiscal, piorando as condições de financiamento da dívida, depreciando o câmbio e desancorando ainda mais a expectativa de inflação. Nesse equilíbrio, o BC vira passageiro e as variáveis nominais ficam desancoradas. Aqui é muito mais câmbio, inflação e juros longos. E a recessão seria bem maior.

Quando pensamos nesses equilíbrios difíceis, a boa notícia é que o BC está respondendo, na medida do possível, à deterioração do cenário. A decisão unânime do Copom de subir os juros em 100 bps na última reunião e o guidance de mais duas elevações de 100 bps mostra um comprometimento importante com a meta de inflação. Foi uma decisão corajosa, o que ajuda na credibilidade da política monetária e que se estende para a gestão Galipolo. Um BC com credibilidade foi algo que faltou na crise Dilma e que será importante agora. Isso é condição necessária para ficarmos no equilíbrio “menos pior”. Mas não é suficiente: tudo depende da reação do governo. Se Lula tentar compensar gastando mais, aí a dominância fiscal estará no centro da mesa.

Não tem uma história boa pensando na economia brasileira pelo menos até a eleição, mas o impacto sobre os ativos e os setores da bolsa são diversos. É um ambiente difícil para as empresas com exposição à demanda doméstica, mas, em graus diversos, positivo para exportadoras, para as ações americanas e, a depender do cenário, para os setores defensivos.

No mundo, como vimos, tudo depende de como Trump vai implementar o aumento de tarifas. Por enquanto, parece que será mais gradual e com objetivos negociais. Se for isso, o Fed segue cortando juros, o que é positivo para o mundo, mas é especialmente bom para as empresas americanas porque os efeitos da menor regulação e da redução dos impostos só ocorrem lá. Apesar da ótima performance nesse ciclo e de ser uma posição senso comum nos mercados, a alocação em ações US segue sendo uma boa escolha. Afinal, a história de crescimento nos lucros segue bastante positiva, em um ambiente de queda de juros e produtividade crescente. Se tudo globalmente der certo, vai dar mais certo lá.

Outro ponto importante é que, seja no cenário com tarifas graduais, seja no cenário de choque, o USD se beneficia. Boa parte do que estamos vendo no DXY (o USD contra uma cesta de moedas) é permanente, e há potencial para mais apreciação.  Empresas que tenham exposição positiva ao USD são ganhadoras nesse processo.

Olhando para o nosso quintal, o cenário, como vimos, é desafiador, para dizer o mínimo. No cenário bom, o BC independente faz diferença e os juros altos e a forte desaceleração da demanda vão ancorando a inflação. Este é um cenário em que o câmbio pouco aprecia, até porque o global segue sendo pró-USD, mas ele estabiliza e dá espaço para a queda da atividade esperada trazer as expectativas e a própria inflação aos poucos para baixo.

Nesse cenário, as exportadoras vão bem, porque vão se aproveitar de um longo período de um câmbio real depreciado. Além disso, os sinais de desaceleração de atividade vão reduzindo os prêmios na curva de juros, e aí os setores mais beneficiados serão os de yield elevado e/ou pouca flutuação de demanda. Utilities e Telecom são boas opções.

Já para os setores mais dependentes do ciclo de demanda doméstico (varejo e setores ligados a consumo, incorporadoras, bancos, etc) ou para as empresas mais endividadas, as condições não ajudam. É verdade que tem muita coisa historicamente barata, mas o equilíbrio bom só vem se a atividade ajustar para baixo. Se o crescimento (e os lucros das empresas) se mostrarem resilientes, o BC vai ter que fazer mais. É um misto de juros mais altos e menos lucros. Há exceções, claro, e a folga de múltiplos é um vetor importante de decisão, mas como tese geral, esses setores ficam comprometidos. Isso no equilíbrio bom. No equilíbrio ruim, vamos entrando na dominância fiscal. Esse é um cenário que pode ser catalisado por um governo que dobra a aposta na expansão fiscal ou por um Trump mais agressivo nas tarifas. Em dominância, câmbio, inflação e juros sobem muito mais e a recessão é maior. Nesse cenário, o net long tem que ser sensivelmente menor, as empresas domésticas (inclusive as defensivas) ficam em uma posição difícil, mas as exportadoras se beneficiam ainda mais com a forte depreciação do real.