Carta Trimestral – Julho 2022


Pelo menos 4 forças tem impactado o mercado nos últimos meses: (i) inflação e elevação de juros nos EUA (ii) guerra na Ucrânia (iii) ciclo de juros no Brasil e eleições brasileiras (iv) China e a política de Covid zero. Ficamos mais parecidos com o mundo por razões erradas: agora todos temos inflação de país emergente, experiência frequente do Brasil, da Argentina e da Turquia, para destacar alguns. Entre os fatores acima, a dominância vem das taxas de juros nos EUA, que acabam por afetar o custo do dinheiro no mundo todo. Com o choque nos preços da energia e dos alimentos e a dificuldade em conter a inflação, em especial nos salários, será necessário que se amplie o índice de desemprego nos EUA, chegando a uma recessão. Mas como fazer isso num país onde há cerca de 3 vagas por desempregado e onde as pessoas acumularam uma poupança considerável por conta dos vouchers dados pelo governo nos meses da pandemia? A resposta está em altas maiores do que as inicialmente planejadas pelo FED, com o arrefecimento da economia e consequente aumento no desemprego. Já os efeitos da guerra na Ucrânia parecem ter se dissipado, ainda que os preços elevados da energia (petróleo e gás) e commodities alimentares tenham se disseminado por toda a economia mundial. O maior choque é sentido na Europa, que tem laços econômicos mais fortes com a Rússia e sentirá mais o efeito das sanções contra este país.

Iniciamos nosso ajuste monetário muito antes, e agora a Selic parece estar próxima do topo, e caso tenhamos leituras melhores de inflação pela frente, poderemos ver o fechamento da curva dos juros pré-fixados já no segundo semestre, o que seria extremamente positivo para o mercado de ações. Por outro lado, o risco político não tem ajudado, dado o foco do governo em atacar o STF e colocar em dúvida as urnas eletrônicas ao invés de endereçar adequadamente a questão fiscal. Episódios lamentáveis como os que temos visto no caso dos combustíveis – e houve tempo de sobra para a montagem de um fundo de estabilização do preço dos combustíveis –, bem como no caso da redução forçada do ICMS sem qualquer planejamento, acabam por assustar investidores, que então exigem um prêmio de risco maior pelos ativos brasileiros. Há que se comemorar, entretanto, a custosa privatização da Eletrobrás – processo iniciado no governo Temer –, que, após ser feita refém pelo Congresso conseguiu finalmente se livrar do controle estatal. Pagará vários “mimos” aos deputados nos próximos anos, mas seguirá livre. Haverá proximamente a eleição de novos conselho de administração e diretoria, que conseguirão enfim levar a empresa ainda mais na direção de boas práticas, podendo crescer mais e ter rentabilidade no padrão das melhores empresas privadas.

As eleições são um capítulo complicado e muito importante para os próximos anos. Entre os dois principais candidatos nas pesquisas, só agora começamos a ver uma agenda um pouco mais clara por parte do Lula, mas ainda nada do Bolsonaro sobre como seria um eventual segundo mandato. Fundamental será discutir o que colocaremos no lugar do teto de gastos como âncora fiscal, e isto ditará para onde irá o juro longo e os investimentos na economia brasileira. Como acreditamos que qualquer dos candidatos terá minimamente uma âncora fiscal, e como os preços no mercado de ações estão extremamente deprimidos, acreditamos que estamos diante de uma grande oportunidade de adicionar posições baratas ligadas ao mercado doméstico e à curva de juros longos.

Temos visto uma série de ações negociarem a preços extremamente baixos, nos mais diversos setores, e que tem tido pouca relação com o fundamento de longo prazo, principalmente aquelas ligadas ao mercado doméstico. As melhores oportunidades estão no varejo (renda baixa e média, além dos atacarejos de alimentos) e nos setores ligados à curva de juros, como incorporadoras de imóveis, locadoras de veículos e shoppings. As ações de produtores de commodities fizeram um pico há alguns meses, e hoje estão num trade range, refletindo os riscos da economia mundial e de uma possível recessão nos EUA. Gostamos de petróleo, ainda que seja a posição mais consensual do mercado; o eventual fim da guerra na Ucrânia poderá derrubar os preços do petróleo para o patamar de US$ 80/barril. A assimetria aqui está para o lado negativo.

Nossa carteira sofreu em junho por conta das commodities e do varejo. Utilities e os hedges no índice foram os destaques positivos. Ainda que o petróleo tenha fechado junho com variação próxima de zero, os ruídos no mercado doméstico sobre taxação de lucros das petrolíferas e controle de preços dos combustíveis acabaram por prejudicar muito o desempenho das ações, em especial da Petrorio (-21%) e da 3R (-28%). Já vínhamos vendendo tais posições antes das maiores quedas, mas ainda assim permanecemos com alocações menores. Vale também performou mal, mas montamos um short no Índice de mesmo valor, o que tornou a operação ganhadora pelo prazo que a carregamos. Também no varejo tivemos perdas relevantes, tanto no alimentar quanto em vestuário, mas dado que são teses de longo prazo, nossa visão é que é um ajuste normal para o ponto do ciclo. As locadoras também caíram bastante no mês passado, mas são empresas nas quais temos enorme convicção, e que continuarão no portifólio. Por fim, as incorporadoras sentiram o repique dos juros longos, fechando o mês em queda também. O grande destaque positivo foi Eletrobrás, que performou bem no mês, e está ainda em estágio inicial de melhoria pós-privatização; uma série de eventos nos próximos meses mostrará o enorme upside desta empresa, a começar pela eleição do novo conselho de administração.

Nossa carteira está composta por setores domésticos como varejo (30%), sendo metade no varejo alimentar e metade em vestuário, incorporadoras (16%) e locadoras (15%), além de utilities (24%). São todos setores bastante sensíveis à queda da inflação e do juro real longo, ou seja, 85% da parte long do fundo de alguma maneira conversa com o juro longo – ainda que as utilities funcionem como hedge para a outra parte das domésticas. As commodities respondem por 25% da carteira, dividida em 15% de petróleo, 6% proteínas e 4% metais. O funding de parte dessas posições compradas é feito com o ETF de Ibovespa. Carregamos um short no S&P da ordem de 15% do PL do fundo, já que acreditamos que o movimento de queda da bolsa dos EUA ainda não está completo.

O Safari tem net long de 81%, com exposição bruta da ordem de 180% do PL, devido a várias posições de valor relativo em muitos setores, que vem sendo ganhadoras ao longo dos últimos meses.

O futuro dos postos de combustíveis com a eletrificação da frota

Há mais de 10 milhões de veículos elétricos em circulação no mundo, que representam apenas 1% da frota em circulação; entretanto, o crescimento  tem sido exponencial nos últimos anos, puxado principalmente pela Europa e China. Em 2020, a Europa superou a China como principal mercado com vendas de 1,4 milhão unidades, contra 1,2 milhão de unidades do país asiático.

Nos principais mercados da Europa, a participação dos veículos elétricos  era praticamente nula em 2010, mas em 2019 esse segmento representou 56% das vendas na Noruega, 15% na Holanda, 11% Suécia. São países pequenos e que não podem ser tomados como padrão, mas nas maiores economias européias as vendas de veículos elétricos tem crescido bastante, como na Alemanha e no Reino Unido, ainda que estejam em estágios iniciais.

Fonte: Our World In Data – https://ourworldindata.org/grapher/battery-plugin-hybrid-vehicles

Na China, vemos a mesma evolução, com uma representatividade crescente dos veículos elétricos. 

Fonte: Statista – https://www.statista.com/statistics/1050111/china-electric-car-market-share/

Os incentivos governamentais foram fundamentais para estimular essa indústria. Em 2020, os governos gastaram cerca de US$ 14 bilhões em incentivos diretos e indiretos para a aquisição de veículos elétricos. Porém, a participação estatal nos gastos totais com veículos elétricos está caindo ano após ano. Em 2020, a participação dos subsídios representou 10% dos gastos nessa indústria, sendo que em 2015 a participação era de 20%. Os veículos elétricos estão se tornando cada vez mais atraentes para os consumidores, reduzindo a necessidade de estímulos por parte dos governos.

Fonte: IEA (International Energy Agency)

Um dos principais motivos para o aumento da atratividade para os consumidores é a queda no preço das baterias, que acumulam queda de 97% em três décadas – baterias de lítio por kWh. Apesar da queda ter sido mais significativa na década de 90, continuamos vendo um declínio acentuado nos últimos anos – queda de 59,7% entre 2010 e 2019. O Nissan Leaf, um dos carros elétricos mais populares no mundo, tem uma bateria de 40 kWh, que custava US$ 300 mil em 1991 (US$ 7.523 por kWh) e caiu para US$ 7,3 mil em 2018 (US$ 181 por kWh).

A performance operacional dos veículos elétricos também está evoluindo, tendo passado de uma autonomia média de 200km em 2015 para 350 km em 2020. Além disso, a oferta de modelos pelas montadoras também está em franca expansão – saímos de 100 modelos em 2015 para 370 em 2020. A General Motors, uma das maiores montadoras da América, anunciou recentemente que não pretende mais vender veículos a combustão a partir de 2035, inclusive no Brasil.

Pelos cenários traçados pela Agência Internacional de Energia, a frota circulante de veículos elétricos deve chegar a 230 milhões em 2030 para o mundo entregar as metas de descarbonização definidas no Acordo de Paris de 2015, o que parece pouco provável. Esse número representa um crescimento significativo em relação à frota atual de 10 milhões de veículos elétricos em circulação. A queda estimada nas emissões de GHG (Greenhouse Gases) nesse cenário é da ordem de 65% em relação a uma frota equivalente movida por motores à combustão.

Diversos países anunciaram metas para as próximas décadas visando acabar com as vendas de veículos à combustão. Noruega, Dinamarca, Israel, Espanha e China são alguns exemplos de países que definiram metas de eletrificação bastante agressivas até 2040. Mais recentemente, o governo dos EUA também assumiu um compromisso de que metade das vendas de veículos no país serão elétricos em 2030. Para que tal compromisso seja atingido, o governo Biden está direcionando US$ 5 bilhões em financiamentos para a instalação de carregadores pelo país e assumiu um compromisso de trocar toda a frota de 600.000 carros e caminhões da administração federal por veículos elétricos até 2035.

O exemplo da Noruega

A Noruega é com certeza o país mais avançado no que diz respeito à eletrificação da frota, sendo que atualmente cerca de 75% de todos os automóveis vendidos são elétricos assim como 13% da frota em circulação.

Abaixo podemos ver a evolução na venda de gasolina em milhões de litros versus a penetração na venda de veículos elétricos no país. Entre 2009 e 2020 o volume vendido de gasolina caiu 43%, enquanto a penetração nas vendas dos veículos elétricos saltou de 0,1% para 75%.

Com o recente anúncio pelo governo de que irá proibir a venda de veículos a combustão a partir de 2025, é certo que a venda de gasolina deve continuar caindo no país.

Na Noruega, mais de 97% dos carregadores adaptados para os veículos elétricos estão instalados nas residências das pessoas, sendo que mais da metade desses carregadores conseguem recarregar as baterias dos veículos por completo em menos de 10 horas. Na prática, o que vemos na Noruega é bem similar ao que acontece no Brasil e no resto do mundo em relação aos celulares. Deixamos o celular carregando durante a madrugada e conseguimos utilizar o aparelho durante todo o dia seguinte. Nos Estados Unidos, uma pesquisa da J.D Power mostrou que 88% das pessoas que possuem veículo elétrico carregam a bateria em casa “sempre” ou “quase sempre”.

Foto de um Home Charger Level 2 para uso doméstico

Com o aumento da penetração dos veículos elétricos e as pessoas acostumadas a carregar a bateria em casa, o mercado endereçável dos postos vai encolhendo cada vez mais.

E no Brasil?

O Brasil apresenta uma particularidade em relação aos combustíveis, pois boa parte da nossa frota de veículos leves é flex, ou seja, pode rodar a partir da gasolina e do etanol. 

Por apresentarmos uma matriz energética muito limpa no etanol, principalmente pela captura do CO2 na fotossíntese da cana-de-açúcar, a pressão ambiental para substituirmos os veículos a combustão por veículos elétricos é menor. Estudos de uma empresa de autopeças brasileira indicam que a emissão de CO2 do poço-à-roda dos veículos movidos a etanol é de 12 toneladas em 10 anos, inferior às emissões de veículos elétricos e movidos a gasolina no Brasil.  

Fonte: Empresa de autopeças brasileira 

Comparando com a frota de veículos da União Europeia, também podemos ver como a frota brasileira movida a etanol é limpa. Inclusive, comparando as emissões de um veículo movido a gasolina no Brasil com um veículo movido a gasolina na União Europeia, o veículo no Brasil emite 9,5% menos CO2 por Km rodado (180gCO2/km no Brasil x 199gCO2/Km na União Europeia). A diferença na emissão nesse caso ocorre justamente por causa do etanol que é misturado à gasolina no Brasil (27% na gasolina comum) e que é pouco representativo na União Europeia (5% na gasolina comum na maioria dos países do bloco econômico).

Fonte: Montadora brasileira

Os preços ainda muito elevados também não ajudam, fazendo com que a venda de veículos elétricos e híbridos represente menos de 3% do total comercializado no país, apesar do ganho recente de participação de mercado, conforme dados do Renavam (registro nacional de veículos automotores).

O Brasil ainda precisa superar algumas barreiras para crescer de maneira significativa a eletrificação da frota, sendo o baixo poder aquisitivo uma das principais. Um carregador “level 2” adaptado para as casas custa, em média, US$ 1.750. Uma pequena parcela da população tem condições de arcar com o investimento necessário para adquirir um veículo elétrico.

Contudo, não acreditamos que o Brasil será uma exceção em relação ao crescimento da eletrificação da frota. As vendas de veículos elétricos devem continuar crescendo no país, porém num ritmo mais devagar em relação ao países desenvolvidos. As baixas emissões da cadeia do etanol poderão favorecer os veículos híbridos em detrimento dos puramente elétricos.

A Anfavea, Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, estima que a penetração dos veículos elétricos no Brasil deve atingir algo entre 7% e 15% nas vendas em 2035, similar à projeção da Vibra Energia, maior distribuidora de energia do país.

Por meio de uma simples pesquisa no Google Trends, podemos ver que o interesse do brasileiro em relação aos veículos elétricos vem crescendo nos últimos anos. Além disso, de acordo com dados da Similarweb, 62% dos brasileiros preferem veículos elétricos e 50% planejam adquirir um no futuro próximo.

Fonte: Google Trends

E qual o futuro dos postos de gasolina?

A tendência de longo prazo de eletrificação da frota é claramente negativa para as distribuidoras de combustíveis e para os donos dos postos.

O caminho mais claro de mitigação de riscos para os donos de postos é a migração para o modelo de posto híbrido, oferecendo combustíveis tradicionais (diesel, gasolina e etanol) e carregadores elétricos para os clientes. Porém, essa transição não é simples, pois, conforme vimos na experiência de outros países, a grande maioria dos consumidores prefere recarregar a bateria em casa durante a madrugada pela comodidade. Além disso, o investimento necessário para adaptar os postos de gasolina, adicionando 6 pontos de recarga, é bastante alto, acima de US$ 150.000 por estação (posto). 

Uma oportunidade de negócio se dá por meio das lojas de conveniência. O tempo médio de recarga das baterias, quando feita nos postos ou estações públicas, é de 30 a 60 minutos, 5-10 vezes a mais do que o tempo necessário para abastecer com gasolina. Com isso, os consumidores ficam mais tempo nas lojas de conveniência e tendem a apresentar um ticket médio mais alto, criando uma oportunidade para o dono do posto disposto a investir numa maior gama de produtos e serviços disponíveis para os clientes. A Circle K, maior rede de postos da Noruega, recentemente divulgou que 40% dos clientes que recarregam a bateria nos postos entram na loja conveniência, índice de conversão 3x maior do que dos clientes que abastecem com gasolina ou diesel (16% entram nas lojas).

Outra oportunidade ocorre com a venda e serviços de manutenção de carregadores para os consumidores. Essa também é uma das estratégias da Circle K. A empresa já é terceira maior fornecedora de carregadores no país, mitigando, em parte, a perda de mercado com a eletrificação da frota.

Mas como essa transição será feita no Brasil? Os consumidores de alto poder aquisitivo deverão trocar seus veículos por modelos elétricos nos próximos anos, enquanto a grande massa de clientes deverá migrar para uma combinação de modelos: híbridos (etanol + elétrico), células de combustão, biodiesel (aumento na mistura), entre outras tecnologias. O que há de comum é a perda de relevância dos postos de combustíveis da maneira como os conhecemos hoje. Possivelmente veremos um aumento na oferta de bens e serviços pelas lojas de conveniência; deverá haver o fechamento de postos de combustíveis – o que já vem acontecendo nos últimos anos – com a concentração do volume vendido em menos estações. Isso será um problema para as distribuidoras, que trabalham com margens baixas e tem sua alavancagem no grande volume que comercializam.

Referências e Bases de Dados
  • Renavam
  • Bloomberg
  • Statista
  • Ourworldindata